DestaqueNotícias

Por que é tão importante fazer uma transição energética?

“O Brasil tem a obrigação de buscar todos os caminhos de transição energética para contribuir no enfrentamento das mudanças climáticas.”

O cientista social e membro do grupo executivo do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), Ivo Poletto, explica nesta entrevista por que é tão importante o Brasil assumir o protagonismo regional na busca por um novo paradigma energético. Para o educador popular, esta transformação deve ser baseada em três pilares: descentralização da produção e consumo, transição justa e participação popular em toda a política energética.

Confira a entrevista completa:

Por que é tão importante fazer uma transição energética?

Vamos partir de um fato, absolutamente confirmado, seja no sofrimento das pessoas afetadas por desastres socioambientais, seja também pela pesquisa científica: as mudanças climáticas estão se tornando cada dia mais agressivas, cada dia mais complicadas para todas as formas de vida no nosso planeta. Por isso, todos os países devem procurar fazer o máximo possível para contribuir no enfrentamento do que causa as mudanças climáticas e um dos caminhos é fazer exatamente a transição energética. Porque é na produção da energia que temos uma das causas principais do aquecimento global.

Como esta transição se daria no Brasil?

No nosso caso, o Brasil,  temos também (como causa do aquecimento global) o mau uso da terra e o aquecimento provocado pelas queimadas da floresta que está sendo derrubada para ampliar a produção de mercadorias agropecuárias de exportação. Além disso, boa parte da energia  provém de fontes fósseis de energia. Por isso, a transição energética é muito importante e, no caso do Brasil, uma grande responsabilidade. Por quê? Porque o Brasil, em comparação com outros países, tem vantagens. Uma delas é ter um território muito amplo e, em todo território, contar com Sol positivo para produzir energia fotovoltaica. Também tem ventos em todas as regiões, o movimento natural de águas, seja nos rios, seja no mar, a biomassa, o lixo e os esgotos que podem ser transformados em energia. Por isso o Brasil, sim, tem obrigação de buscar todos os caminhos de transição energética para contribuir com a causa de toda a humanidade no enfrentamento das mudanças climáticas.

Qual o caminho para esta transição energética no Brasil?

A melhor energia é aquela que não é produzida nem  consumida. Mas como nós precisamos de energia, vamos produzir energia, só que temos que procurar fazer isso interferindo o mínimo possível na natureza, nas condições naturais da vida. Por isso, nós temos que repensar aqui no Brasil o que nós podemos fazer na linha da transição energética. Uma delas, é nos darmos conta que estamos num território imenso e não podemos continuar produzindo energia em qualquer lugar de forma centralizada como acontece, por exemplo, com a produção amazônica que interfere nos rios e necessita de quatro a cinco mil quilômetros para chegar até o local de consumo. Isso significa perda de 15 a 20% da energia produzida e não se pode fazer este tipo de desperdício. Nós temos que ter o cuidado de produzir com o máximo de eficiência e, por outro lado, consumir com o máximo de cuidado, não desperdiçando energia. Nós defendemos a descentralização na produção de energia. A regra deve ser produzir a energia o mais perto possível do seu consumo e atendendo às necessidades reais das pessoas, famílias, comunidades e povos.

Como seria, na prática, esta descentralização?

Nós precisamos descentralizar a utilização da energia para que não tenhamos que fazer transferências de longa distância para suprir o chamado mercado de energia. Com isso, nós temos possibilidades de, utilizando principalmente o sol que está presente em todas as nossas regiões, produzir energia por meio da utilização da infraestrutura existente, como os telhados que servem de base para os painéis que vão produzir a energia fotovoltaica. E se o consumo for o mais próximo possível, então nós teremos feito um caminho que vai contribuir para a redução do uso de energia,e também a mudança do uso de fontes fósseis. Quem sabe que passando a utilizar fontes que sejam menos agressivas, como o sol, ventos, o movimento natural das águasetc., nós contribuiremos de fato para reduzir o que causa as mudanças climáticas no Brasil e no mundo.

Outra bandeira do FMCJS é a transição energética justa, pode nos explicar este conceito?

Além da descentralização, nós temos uma outra questão que é a prática da justiça na geração e no consumo da energia. O que significa uma transição energética justa? Se nós olharmos pelo lado do consumo significa que todas as pessoas tenham acesso à energia que necessitam para viver com melhor qualidade. Quer dizer, todas as pessoas devem receber apoio para produzir a energia que necessitam através das melhores fontes disponíveis em cada situação concreta. Agora, tem outra dimensão: a participação das pessoas, comunidades, povos em toda a política energética. Temos que superar essa falsa visão, que foi utilizada até para dominar e explorar a população, de que a energia é só  uma questão técnica, é uma coisa complicada e, por isso, o povo não vai entender. Aí a energia só aparece na hora da conta, na hora de pagar o preço do seu consumo. Não, nós queremos a participação das pessoas tanto na definição da política energética, como produzir e usar a energia em cada localidade. Deve-se perguntar: energia para quê e para quem? Se esta energia é mal utilizada, é contra o interesse dos povos, que seja mudado o seu uso. Então, uma transição energética justa é aquela feita com política de participação o máximo possível direta do povo na decisão de como produzir a energia e também como consumi-la da melhor forma, que seja positiva para a vida do planeta e a vida das pessoas.