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ECONOMIA SOLIDÁRIA – UMA EXPERIÊNCIA DA ECONOMIA DE CLARA E FRANCISCO

*Entrevista realizada pela Comunicadora Popular Marilza J L Schuina para o Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do FMCJS.

Miguelina Sampaio, militante do movimento da Economia Solidária-Cuiabá/MT

Marilza J L Schuina

Desde que assumiu o pontificado em 2013, o Papa Francisco vem dando sinais de que é preciso humanizar a humanidade. 

Vivemos em um mundo globalizado, de crescimento acelerado, com grandes cidades, com concentração e aglomerações populacional, segregação em bolsões de miséria e pobreza, com um sistema econômico neoliberal que impõe uma ditadura em todo o mundo. Um mundo de uma lógica individualista e competitivo, que não visa o bem comum, mas promove o desaparecimento dos limites territoriais e espaciais, promove a migração, impõe um jeito de pensar sedutor, onde predomina a aparência, a indiferença pelo outro, a perversidade da inclusão, quando na verdade excluem grande parcela da população. 

No contexto da pandemia do novo coronavírus fica muito claro para todos nós a crise em que se encontra a humanidade doente, consumista, de ricos cada vez mais ricos, de grandes desigualdades sociais, de concentração de renda e riquezas e de pobres cada vez mais pobres. Estamos vivendo uma crise civilizacional em todo o ambiente cultural, social, político, econômico e até mesmo religioso.

Em sua primeira encíclica, a Evangelli Gaudium, o Papa Francisco fala de uma economia que mata e chama a humanidade a dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social” (53), “não à nova idolatria do dinheiro” (55), “não a um dinheiro que governa ao invés de servir” (57), “não à desigualdade social que gera violência” (59).

 Na Encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco vai dizer: “a destruição do ambiente humano é um fato muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação. Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas ‘nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades’” (5).

E ainda, na Gaudete et Exsultate, Francisco reafirma: “Se não cultivarmos uma certa austeridade, se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabamos por nos transformar em pobres insatisfeitos que tudo querem ter e provar. O próprio consumo de informação superficial e as formas de comunicação rápida e virtual podem ser um fator de estonteamento que ocupa todo o nosso tempo e nos afasta da carne sofredora dos irmãos. No meio deste turbilhão atual, volta a ressoar o Evangelho para nos oferecer uma vida diferente, mais saudável e mais feliz” (108).Que vida mais saudável e feliz? Conversando com Miguelina Sampaio, militante do movimento da Economia Solidária-Cuiabá/MT, desde 1993, podemos ter essa percepção que pensar novo estilo de vida é pensar processos de economia e geração de renda e emprego para todos e todas, para uma vida mais humana, de cuidado com o outro, a outra e cuidado com a casa comum.

  1. Como você vê a contribuição da mulher para uma efetiva economia mais humana?

Miguelina:Eu vejo a economia solidária como a economia da mulher, uma economia libertadora, que liberta o ser humano como um todo, não é só economia por economia, por cédula, mas uma economia integral, no todo, no cuidado, cuidado com o ambiente, a natureza, o planeta. É uma forma de ser, libertadora, porque o ser humano só não se liberta. Ele se liberta numa totalidade integrado, tudo está interligado. Eu faço parte, eu conto. Vejo essa economia solidária, a economia da mulher a partir da casa que contribui na libertação da mulher e vai formando uma rede de mulheres se libertando, se integrando, que vai cuidando da casa, das crianças, do ambiente, dos animais…

  • Existe economia sem o trabalho das mulheres?

Miguelina:Acredito que não existe uma economia sem a participação das mulheres. Na nossa experiência com a vida e deste os tempos da evolução acredito que a participação da mulher na economia é essencial, é o nosso jeito de ser mulher, de um olhar profundo que não olha só para si, mas para o todo. Na experiência da economia solidária, 89% são as mulheres. Temos uma crítica, pois em todo o nosso trabalho desde 1993, as mulheres são 89%, elas trabalham, elas fazem, mas no cargo de chefia a gente vê os homens, principalmente na cooperativa rural, nos empreendimentos… elas trabalham, porém não se vê uma coordenadora, uma presidente, a maioria são homens que estão na frente.

  • A economia da mulher é uma economia do cuidado?

Miguelina:Na economia solidária dizemos assim, é uma economia do cuidado, onde você não se preocupa só com o ser humano em si. Nós fazemos parte da criação de Deus e tudo tem vida, tudo merece o respeito, o amor, o seu ser indivíduo, não importa se rios, matas, florestas. Temos que ter cuidado. É difícil praticar a economia solidária. Estou desde 1983 neste movimento onde a gente presa pelo cuidado, pela autonomia da mulher, mas você vê que esse ano, principalmente em MT, é muito triste ver nossos irmãos do quilombo que estão nesse movimento da economia solidária sendo detonados pelas queimadas, pelo desrespeito do grande latifúndio, os grandes fazendeiros, que para manter o pasto, para forçar os pequenos produtores saírem da terra, vejam o que aconteceu com as queimadas, pois por mais que temos cuidado, selando. Estivemos no quilombo e tudo foi queimado, é um grupo de economia solidária e é muito difícil porque não é todo mundo que entra nessa filosofia de vida, neste jeito de ser, é complicado para as pessoas que estão fora do movimento entenderem. Somos poucos nesse movimento da economia solidária, na economia da mulher, e não entender esse jeito de vida faz com que muitas mulheres sejam, inclusive, ameaçadas, violentadas, torturadas. As pessoas que não estão nesse movimento são difícil entender, são pessoas que não gostam de trabalhar e para nós que estamos nesse movimento é vida poder aproveitar o que está sendo descartado, quando nós podemos reciclar, fazer artesanato e, até mesmo recolhendo o que sobra da sociedade que está poluindo o meio ambiente, é a economia do cuidado, pois temos a rede dos catadores e temos uma experiência belíssima de mulheres que estão nesse grupo da reciclagem e do artesanato.

  • Como a experiência de economia solidária pode contribuir para construir pontes e diálogo entre os povos? Pode dar exemplos concretos dessas experiências?

Miguelina:A economia solidária é uma ponte, porque deste o começo temos claro que nós presamos pela autogestão, somos autogestionária, onde não tem patrão nem empregado, a compreensão e a solidariedade. Isto é o nosso marco. Construímos pontes porque não somos sozinhas, isoladas. Temos os empreendimentos, cada empreendimento com sua identidade própria, sua filosofia de vida própria e estamos ligados regional, estadual, nacional e até internacional. Temos o Fórum da Baixada Cuiabana e temos o Fórum Regional. Cada região tem um Fórum. Somos 07 fóruns. Temos o Fórum Estadual e o Conselho Estadual. Estas são as pontes, estamos interligados. O que acontece na Bahia a gente está sabendo, o que está acontecendo aqui eles estão sabendo e temos rede também, rede de fundo de finanças solidárias e o mais concreto é o fundo rotativo solidário. Cada empreendimento tem o fundo local… esses são os meios, caminhos que nos liga, nos fortalece. Temos uma lei estadual da economia solidária, embora não seja do jeito que queríamos, mas temos uma lei, um plano estadual de economia solidária e o exemplo concreto da comercialização através do aplicativo, numa ação conjunta com a UFMT, entidade parceira. Isto também é uma rede, pinte para contribuir com os empreendimentos que estão no meio rural, por exemplo, que não têm como trazer o produto. Estamos com esta saída neste momento. Também, temos algumas entidades de apoio. Outro exemplo de ponte que estamos construindo é o circuito de comercialização que estamos construindo agora para interligar com os circuitos já existentes no Brasil e na Espanha. Vamos começar um curso no Brasil e outro na Colômbia. Tem muita experiência da Venezuela também. Construímos pontes através do intercâmbio. Eu mesma quando do movimento do fundo rotativo solidário do Mato Grosso, participei os intercâmbios nas 05 regiões o Brasil e conhecemos várias experiências belíssimas de economia solidária e a maioria que estão na frente são mulheres, são jovens. No Nordeste a experiência das jovens mulheres é muito forte. É um encanto.

Como se vê, é necessário e urgente pensar alternativas para que a humanidade mude de caminho e possa construir uma vida mais simples e digna para todos e todas, em harmonia com a casa comum, a ecologia e a economia, a economia solidária, a economia de Clara e Francisco. Este é o nosso grande desafio, avançar na harmonia entre a humanidade e a natureza, na justiça e na solidariedade. Conforme o Papa Francisco, é preciso romper com o pensamento de desenvolvimento e progresso que visa somente o lucro (LS 109) e estabelecer novas relações com as pessoas, com Deus e a ambiente (LS 119).

“Escuta, acolhe, o outro, a outra já vem. Escuta, acolhe, cuidar do outro faz bem, cuidar da outra faz bem, cuidar do mundo faz bem” (dança circular).