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A Igreja dos cinco continentes pede um acordo “justo e legalmente vinculante” sobre o clima

A Igreja dos cinco continentes pede um acordo “justo e legalmente vinculante” sobre o clima

O seguinte apelo foi escrito por cardeais, patriarcas e bispos de todo o mundo em representação das associações continentais das Conferências Episcopais nacionais. Este apelo é dirigido aos negociadores da COP 21 em Paris e exorta-os a que trabalhem pela aprovação de um acordo sobre o clima que seja justo, legalmente vinculante e motor de uma verdadeira mudança transformadora.

Fonte: http://bit.ly/1LWLJs4

O apelo é publicado por Religión Digital, 05-12-2015. A tradução é de André Langer.

Eis a íntegra do apelo.

Nós, cardeais, patriarcas e bispos, representando a Igreja católica dos cinco continentes, reunimo-nos a convite do secretário de Estado da Santa Sé para manifestar, em nosso próprio nome e em nome das pessoas com as quais nos preocupamos, nossa mais sincera esperança de que se alcance um acordo sobre o clima justo e legalmente vinculante no marco das negociações da COP 21 em Paris.

Na sequência, detalhamos a nossa proposta de 10 pontos, redigida a partir da experiência concreta de pessoas de todos os continentes, e baseada na estreita relação entre a mudança climática e a injustiça social e a exclusão social dos nossos cidadãos mais pobres e vulneráveis.

Mudança climática: desafios e oportunidades

Em sua carta encíclica Laudato Si’, dirigida a “cada pessoa que habita neste planeta” (n. 3), o Papa Francisco afirma que “a mudança climática representa um dos principais desafios atuais para a humanidade”. O clima é um bem comum, compartilhado, de todos e para todos (n. 23). O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos (n. 95).

Hoje, crentes e não crentes estão de acordo em que a Terra é essencialmente uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos. Para os crentes, isto se converte em uma questão de fidelidade ao Criador, porque Deus criou o mundo para todos. Por conseguinte, qualquer abordagem ecológica deve incorporar uma perspectiva social que leve em conta os direitos fundamentos dos mais desfavorecidos (n. 93).

As consequências globais que se derivam da dramática aceleração da mudança climática nos obrigam a redefinir os nossos conceitos de crescimento e progresso. Trata-se realmente de uma questão de estilo de vida. É imperativo que encontremos uma solução que seja consensual, tendo em conta a escala e a natureza global do impacto do clima. Necessitamos de uma solidariedade universal nova, uma solidariedade que seja “intergeracional” e “intrageracional” (n. 13, 14 e 162).

Papa define o mundo como “nossa casa comum” e, no exercício do nosso cuidado, não devemos esquecer que a degradação humana e social são consequências de um meio ambiente deteriorado. Por conseguinte, fazemos um apelo para que se adote uma perspectiva ecológica integral, para que a justiça social se situe no centro das preocupações, “para ouvir tanto o clamor da Terra como o clamor dos pobres” (n. 49).

O desenvolvimento sustentável deve incluir os pobres

Enquanto deplora o impacto dramático das rápidas mudanças climáticas no nível dos oceanos, nos fenômenos meteorológicos extremos, na deterioração dos ecossistemas e na perda de biodiversidade de forma negativa, a Igreja é também testemunha de como as mudanças climáticas afetam as comunidades e os povos vulneráveis. O Papa Francisco chama a nossa atenção para o impacto irreparável da mudança climática desenfreada em muitos países em desenvolvimento de todo o mundo. Além disso, o Papa declarou na Assembleia Geral das Nações Unidas que o abuso e a destruição do meio ambiente são acompanhados por um persistente processe de exclusão. (1)

Líderes corajosos dispostos a adotar acordos aplicáveis

A construção e a manutenção de uma casa comum sustentável requerem uma liderança política corajosa e imaginativa. São necessários sistemas normativos que estabeleçam com clareza os limites intransponíveis e assegurem a proteção dos ecossistemas (LS n. 53).

Estudos científicos confiáveis sugerem que a aceleração da mudança climática é o resultado da atividade humana desenfreada, a serviço de um determinado modelo de progresso e desenvolvimento. E que uma das principais causas é a excessiva dependência dos combustíveis fósseis. O papa e os bispos católicos dos cinco continentes, sensíveis aos danos causados, apelam a uma drástica redução das emissões de dióxido de carbono e outros gases tóxicos.

Unimo-nos ao Santo Padre em sua exortação em favor de um progresso significativo em Paris, com vistas a alcançar um acordo global e transformador que conte com o apoio de todos, e que esteja baseado nos princípios de solidariedade, justiça e participação. (2) Este acordo deve colocar o bem comum acima dos interesses nacionais. É essencial também que as negociações desemboquem em um acordo executável que proteja o nosso lar comum e todos os seus habitantes.

Nós, cardeais, patriarcas e bispos, emitimos um apelo geral e apresentamos 10 propostas políticas. Apelamos à COP 21 para que formule um acordo internacional que limite o aumento da temperatura global aos parâmetros atualmente sugeridos pela comunidade científica mundial, de modo a evitar impactos climáticos catastróficos, especialmente nas comunidades mais pobres e vulneráveis. Estamos de acordo quanto à existência de uma responsabilidade comum e ao mesmo tempo diferenciada, de todos os países. Nem todos os países chegaram ao mesmo nível no espectro do desenvolvimento. É imperativo que se trabalhe em conjunto em prol de um esforço comum.

Nossas 10 propostas:

Levar em conta não apenas os aspectos técnicos da mudança climática, mas particularmente os aspectos éticos e morais, como indicado no artigo 3 da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática.

Aceitar que o clima e a atmosfera são bens globais comuns de todos e para todos.

Adotar um acordo mundial justo, motor de uma mudança e legalmente vinculante fundamentado na nossa visão do mundo que reconhece a necessidade de viver em harmonia com a natureza e que garanta o exercício dos direitos humanos de todos, incluindo os direitos dos Povos Indígenas, das mulheres, dos jovens e dos trabalhadores.

Limitar o aumento da temperatura global e estabelecer um objetivo para alcançar uma completa descarbonização para meados do século, com o objetivo de proteger as comunidades mais afetadas pelos efeitos da mudança climática, especialmente aquelas que vivem nas ilhas do Pacífico e nas regiões costeiras.

Garantir que o limite máximo do aumento da temperatura apareça refletido em um acordo global legalmente vinculante, com ações e compromissos de mitigação ambiciosos por parte de todos os países em função de suas responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e suas respectivas capacidades, de acordo com os princípios de equidade, as responsabilidades históricas e o direito ao desenvolvimento sustentável.

Garantir a coerência entre as trajetórias de emissões e o objetivo de descarbonização, assim como a imposição de revisões periódicas das ambições e dos compromissos adotados. Para serem exitosas, estas revisões periódicas devem basear-se em dados científicos e no respeito do princípio da equidade e devem ser obrigatórias.

Desenvolver novos modelos de desenvolvimento e estilos de vida que sejam compatíveis com o clima, combatam a desigualdade e tirem os pobres da miséria. Neste sentido, é essencial pôr fim à era dos combustíveis fósseis, eliminar de forma gradual as emissões de combustíveis fósseis e proporcionar a todos um acesso a energias renováveis econômicas, confiáveis e seguras.

Garantir o acesso de todos à água e à terra para a consolidação de sistemas alimentares resilientes e sustentáveis e deem prioridade às soluções propostas pelas pessoas e não aos lucros.

Garantir que os mais pobres, mais vulneráveis e quantos sofrem maiores impactos possam participar em todos os níveis dos processos de tomada de decisões.

Garantir que o acordo adotado em 2015 aponte para um processo de adaptação que responda adequadamente às necessidades imediatas das comunidades mais afetadas e reforce as soluções locais.

Reconhecer que as necessidades de adaptação dependem do sucesso das medidas de mitigação adotadas. Os responsáveis pela mudança climática têm a obrigação de ajudar os mais vulneráveis na adaptação e na gestão das perdas e danos; e de compartilhar a tecnologia e os conhecimentos necessários.

Oferecer quadros de referência claros sobre como os países deverão cumprir seus compromissos financeiros adicionais, coerentes e previsíveis, de forma que se garanta um financiamento equilibrado das ações de mitigação e das necessidades de adaptação.

Tudo isso implica uma educação e uma consciência ecológica sérias (LS 202-215).

Oração pela Terra:

Deus de amor, ensina-nos a cuidar deste mundo como nossa casa comum. Inspira os chefes de governo que se reúnem em Paris para que escutem e prestem atenção aos apelos da Terra e dos pobres; para que se unam de coração e de espírito para darem uma resposta corajosa que busque o bem comum e a proteção deste belo jardim terrestre que criaste para nós, para os nossos irmãos e irmãs e para as gerações futuras. Amém.

Notas:

1. Discurso do Santo Padre, Sede das Nações Unidas, Nova York, 25 de setembro de 2015.

2. Discurso de Sua Santidade o Papa Francisco aos Ministros do Meio Ambiente da União Europeia, Cidade do Vaticano, 16 de setembro de 2015.

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Os bispos que assinam esta declaração:

Sua eminência cardeal Oswald Gracias, arcebispo de Bombaim, Índia, e presidente da FABC (Ásia)

Sua excelência arcebispo Gabriel Mbilingi, CSSp, arcebispos de Lubango, Angola, e presidente do SECAM (África)

Sua eminência cardeal Peter Erdö, arcebispo de Esztergom, Budapeste, e presidente do CCEE (Europa)

Sua excelência arcebispo Joseph Kurtz, arcebispo de Louisville e presidente da USCCB (Estados Unidos)

Sua eminência cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique, Alemanha, e presidente do COMECE (Europa)

Sua excelência arcebispo John Ribat, MSC, arcebispo de Port Moresby, Papua Nova Guiné, e presidente da FCBCO (Oceania)

Sua eminência cardeal Rubén Salazar Gómez, arcebispo de Bogotá, Colômbia, e presidente do CELAM (América Latina)

Sua excelência bispo David Douglas Crosbi, OMI, bispo de Hamilton, Canadá, e presidente da CCCB-CECC (Canadá)

Sua beatitude cardeal Béchara Boutros Raï, OMM, patriarca de Antioquia (Maronitas) e presidente da CCPO (Conselho dos Patriarcas Católicos do Oriente)

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/549885-a-igreja-dos-cinco-continentes-pede-um-acordo-justo-e-legalmente-vinculante-sobre-o-clima

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