Reunião na Coreia do Sul prepara o relatório mais desafiador do IPCC
Reunião na Coreia do Sul prepara o relatório mais desafiador do IPCC
Cientistas deverão indicar esforços maiores que os já previstos para assegurar limite do aumento da temperatura global a 1,5oC até 2100
FÁBIO DE CASTRO
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Cientistas e diplomatas estão reunidos desde segunda-feira (1) na cidade de Incheon, na Coreia do Sul, para finalizar e aprovar aquele que deverá ser o mais impactante e desafiador relatório já elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC).
O objetivo do documento, que será publicado no próximo dia 8, é apontar com clareza – e com base em milhares de estudos científicos – o que será preciso fazer para limitar a elevação da temperatura média do planeta a 1,5oC até o fim do século, conforme estabelece o Acordo de Paris.
Estabelecido em 2015 no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Acordo de Paris determina que os 195 países signatários se esforcem para conter o aquecimento global a menos de 2°C até o final do século, com tentativas de atingir uma meta mais ambiciosa de limitar o aquecimento a 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais. A próxima cúpula sobre a convenção será a Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima (COP24), em dezembro, em Katowice, na Polônia.
“Este é um dos mais importantes encontros na história do IPCC”, disse à rede BBC News o sul-coreano Hoesung Lee, atual presidente do painel, durante a abertura do 48ª Sessão do IPCC, cuja principal missão é aprovar o Relatório Especial sobre Impactos do Aquecimento Global de 1,5oC (SR15).
Mensagem de urgência
Segundo Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o relatório mostrará que será preciso realizar esforços muito maiores do que se imaginava para evitar que a temperatura média do planeta aumente mais de 1,5oC em comparação à era pré-industrial.
“O relatório será muito forte e trará uma mensagem de urgência extrema, apontando o que precisa ser feito – e em que velocidade. O documento foi pensado para impulsionar os níveis de ambição dos países nas reduções globais de emissões. Ele terá forte impacto na próxima COP e deverá forçar os países a acelerarem suas ações climáticas”, disse Rittl.
O documento, segundo Rittl, apresentará uma comparação entre os impactos de um aquecimento global de 1,5oC e de 2oC . “A ideia é mostrar que o impacto é significativamente maior na faixa dos dois graus e apontar que esforços precisarão ser feitos para manter o aquecimento em 1,5oC .”
As ações que forem recomendadas pelo IPCC precisarão ser incisivas e rápidas, já que a temperatura está aumentando na razão de dois décimos de grau por década e, no ritmo atual, a temperatura média de 1,5oC já seria atingida em 2040, de acordo com Rittl.
“O relatório também deverá trazer alguma clareza sobre o orçamento de carbono que ainda temos disponível para limitar o aquecimento entre 1,5oC e 2oC . Isso nos dará uma noção do tamanho do corte necessário nas emissões para que possamos cumprir o Acordo de Paris”, afirmou.
Rejeições previstas
O físico Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), que teve acesso ao rascunho do SR15, afirma que as recomendações do documento serão tão impactantes que pela primeira vez alguns países deverão rejeitar a aprovação de um relatório do IPCC.
“Vários países planejam não aprovar o relatório, porque ele é muito contundente – em particular os Estados Unidos e a Arábia Saudita. Os cortes de emissões necessários para manter a temperatura dentro da meta de 1,5oC serão radicais. Até 2050, precisaremos zerar as emissões líquidas de CO2 para a atmosfera. Cumprir essa tarefa em apenas 30 anos equivale a emperrar toda a indústria do carvão e dos demais combustíveis fósseis”, declarou Artaxo.
Segundo Artaxo, o novo relatório mostrará que os esforços dos países precisarão ser muito maiores do que se previa. Ele afirma que, mesmo que o todos os países cumpram à risca seus compromissos no Acordo de Paris, o aquecimento médio será de 2,7oC . “Nesses níveis, os impactos são extremos. E países como o Brasil, a Alemanha e os Estados Unidos já sabem que não cumprirão essas metas.”
Aumentos catastróficos
Caso nada fosse feito para reduzir emissões, as temperaturas médias no Brasil poderiam aumentar de 4 a 6 graus, segundo Artaxo. “Seria uma catástrofe. Com um aumento médio de 5oC , cidades como Cuiabá teriam temperaturas de 47oC a 48oC ”, afirmou.
O cientista afirmou que a parte científica do relatório já está estabelecida. Mas, durante o evento na Coreia do Sul, os diplomatas dos vários países poderão fazer objeções ao texto do documento final, um sumário voltado para os tomadores de decisão.
“Não haverá mais discussão sobre dados científicos, mas haverá uma negociação diplomática para aprovar o documento final. Alguns países não aprovarão, embora a aprovação não determine nenhum compromisso, porque sabem que o sumário para tomadores de decisão terá grande importância nas negociações das COPs, onde é preciso assumir compromissos”, explicou Artaxo.
Janela de oportunidade
Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) afirma que o relatório integral é estritamente científico, elaborado com base na contribuição de milhares de estudos feitos em todo o mundo e, por isso, não será afetado por nenhuma posição governamental.
“Porém, o sumário para tomadores de decisão é, sim, submetido a grandes pressões políticas. Ele não terá nada que não seja comprovado por dados científicos, mas, após as negociações, é possível que carregue menos nas tintas”, disse Azevedo.
O Relatório Especial SR15 foi idealizado para ajudar a determinar as com precisão medidas necessárias para manter o aquecimento nos limites de 1,5oC , segundo Azevedo. Todos os relatórios do IPCC, elaborados desde 2007, trabalharam com o objetivo de limitar a temperatura a 2oC . Mas, depois do Acordo de Paris, assinado em 2015, chegou-se ao consenso de que o limite mais seguro seria 1,5oC .
“Por isso o relatório virá com um conjunto de medidas muito mais fortes para que seja possível manter o limite de 1,5oC . Há polêmica sobre se será mesmo possível fazer isso, ou se já passamos do ponto. O primeiro rascunho deste relatório, que vazou no início do ano, já apontava que a janela de oportunidade se fechará antes de 2030, sem uma queda substancial nas emissões.”
Problema político
De acordo com David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os compromissos terão mesmo de ser muito mais ambiciosos.
“Sabemos que 1,5oC não é totalmente seguro, haverá impactos também. Ainda assim, se chegássemos nesse nível seria excelente. Mas será difícil demais com os prazos colocados pelo Acordo de Paris. Com as contribuições que foram colocadas na mesa até agora, não vamos chegar lá”, disse.
Lapola afirma que hipoteticamente é possível mudar todo o modelo econômico do planeta de forma gradual, mas a velocidade das ações terá de ser cada vez maior.
Segundo Lapola, depois da publicação do SR15, no dia 8 de outubro, o IPCC publicará, em maio de 2019, um “Relatório de Metodologia”, para refinar as diretrizes para inventários nacionais de gases de efeito estufa publicadas em 2006.
Depois ainda serão publicados outros documentos especiais, disse Lapola, como o “Relatório Especial de Mudanças no Uso da Terra” em setembro de 2019, o “Relatório Especial sobre Oceano e Criosfera”, em outubro de 2019, e, no primeiro semestre de 2022, o “Relatório de Avaliação – Síntese”.
“Se tivéssemos tomado as ações necessárias há 20 anos, o esforço seria factível agora. Mas as mudanças climáticas deixaram de ser um problema científico e se tornaram um problema político – e certamente um dos problemas mais sérios que a humanidade já enfrentou.”
Na imagem acima, emissão de poluentes por chaminés industriais. Foto: domínio público/Wikimedia Commons.
Fonte: http://www.diretodaciencia.com/2018/10/03/reuniao-na-coreia-do-sul-prepara-o-relatorio-mais-desafiador-do-ipcc/