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Os desafios da agricultura familiar no Norte de Mato Grosso

Benedita da Guia Ferreira*

O norte de Mato Grosso, como vários artigos e estudos demonstram, é uma forte região no que tange a grande produção de soja, sendo destaque no estado, no país e no mundo. Isto, segundo os grandes produtores gera desenvolvimento, geração de renda, saúde e vários outros “benefícios” para a população, pois afinal de contas o “Agro é Pop, é Tech…”, assim enfatiza um comercial constantemente veiculado no estado e fortemente defendido, especialmente, por aqueles que de alguma forma usufruem dessa modalidade de produção, como a soja.

Na contramão da tão divulgada “benfeitoria do agronegócio”, estão os familiares da agricultura familiar que ousam viver e sobreviver por vezes sem assistência técnica, pelas  péssimas condições das estradas ou pelo entrave no setor de comercialização de suas produções. Além das situações supracitadas, o uso do agrotóxico nas plantações da soja aparece como um dos grandes problemas para essas famílias, pois suas plantações também são contaminadas, mesmo que estes não usem nenhum tipo de veneno.  Isto acontece principalmente, quando são utilizadas nas plantações a aplicação dos venenos por meio da pulverização aérea, a chamada deriva que, na realidade, não atinge somente as grandes plantações, mas com o vento os venenos alcançam outras plantações que, por vezes, são de pequenos agricultores que fazem fronteiras com esses grandes latifúndios. Desta forma, os agricultores e agricultoras ficam, com suas plantações, à mercê desses venenos e seus malefícios não somente para saúde, mas também para própria produção em suas propriedades.

Do rápido e singelo cenário demonstrado acima, muitos familiares conseguem transformar suas realidades por meio de suas produções como couve, alface, rúcula, repolho e também variedades de frutas que são cultivadas conforme a época. O que chama atenção e ao mesmo tempo encanta é que essas famílias desafiam, resistem e demonstram que é possível sim produzir alimentos sem o uso de veneno. E quando necessitam de combater alguma praga utilizam os próprios recursos naturais, ou seja, meios alternativos que dão resultado e que não agridem o solo e, principalmente, não contaminam os alimentos produzidos.

Sem uma análise mais elaborada sobre o solo ou mesmo baseada em fatos mais concretos do ponto de vista mais técnico, tenho refletido sobre algumas questões como, por exemplo, se, de fato, as produções desses alimentos são e estão livres de algum tipo de agrotóxico, especialmente, se as grandes lavouras são pulverizadas de forma aérea, como já citamos anteriormente. E mesmo que estes se fixam nas lavouras e no próprio solo, deve-se ficar algum tempo em exposição, portanto, mesmo que haja investimento numa produção sem o uso de venenos, ou seja, na forma orgânica, as produções estariam livres dos venenos, considerando que o próprio ar e solo estão “contaminados”? Estariam também essas famílias produzindo alimentos, sem vontade própria, envenenados? Até que ponto estaríamos consumindo alimentos verdadeiramente sem agrotóxico? Isto é possível nesta região?  São questões importantes para toda população, bem como, para os agricultores e agricultoras que resistem e ousam produzir nestas condições.

Para além desses apontamentos, são nítidas as mudanças ocorridas no bioma amazônico neste espaço, isto pelo desmatamento, pelo envenenamento do solo, pela devastação do meio ambiente, pelas mortes dos rios, por conta da construção das hidrelétricas, pela expulsão dos indígenas de suas terras e assim sucessivamente. Percebe-se o quanto o agronegócio e seus imensos investimentos retiram e exterminam toda e qualquer vida.

Com intuito de ampliar a reflexão sobre o tema em questão, encaminho para os últimos escritos a letra da música do Chico César, chamado “Reis do Agronegócio”, que traduz com mais riqueza o que é o agronegócio e seus impactos neste estado chamado Mato Grosso, mas que ainda assim há a existência da agricultura familiar.

Ouça a música aqui neste link: https://youtu.be/0mtvwidXP_4

Reis do Agronegócio

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno
Vocês que aumentam todo ano sua posse
E que poluem cada palmo de terreno
E que possuem cada qual um latifúndio
E que destratam e destroem o ambiente
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente

Vocês desterram povaréus ao léu que erram
E não empregam tanta gente como pregam
Vocês não matam nem a fome que há na terra
Nem alimentam tanto a gente como alegam
É o pequeno produtor que nos provê e os
Seus deputados não protegem, como dizem
Outra mentira de vocês, pinóquios véios
Vocês já viram como tá o seu nariz, hem?

Vocês me dizem que o brasil não desenvolve
Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista
Mas até hoje na verdade nunca houve
Um desenvolvimento tão destrutivista
É o que diz aquele que vocês não ouvem
O cientista, essa voz, a da ciência
Tampouco a voz da consciência os comove
Vocês só ouvem algo por conveniência

Para vocês, que emitem montes de dióxido
Para vocês, que têm um gênio neurastênico
Pobre tem mais é que comer com agrotóxico
Povo tem mais é que comer se tem transgênico
É o que acha, é o que disse um certo dia
Miss motosserrainha do desmatamento
Já o que acho é que vocês é que deviam
Diariamente só comer seu “alimento”
Vocês se elegem e legislam, feito cínicos
Em causa própria ou de empresa coligada
O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos
Que bancam cada deputado da bancada
Té comunista cai no lobby antiecológico
Do ruralista cujo clã é um grande clube
Inclui até quem é racista e homofóbico
Vocês abafam, mas tá tudo no youtube

Vocês que enxotam o que luta por justiça
Vocês que oprimem quem produz e que preserva
Vocês que pilham, assediam e cobiçam
A terra indígena, o quilombo e a reserva
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra
O extrativista, o ambientalista ou a freira

Vocês que criam, matam cruelmente bois
Cujas carcaças formam um enorme lixo
Vocês que exterminam peixes, caracóis
Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho
E que rebaixam planta, bicho e outros entes
E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro
Por que dispensam tal desprezo a um vivente?
Por que só prezam e só pensam no seu lucro?

Eu vejo a liberdade dada aos que se põem
Além da lei, na lista do trabalho escravo
E a anistia concedida aos que destroem
O verde, a vida, sem morrer com um centavo
Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes
Tal como eu vejo com amor a fonte linda
E além do monte o pôr-do-sol porque por sorte
Vocês não destruíram o horizonte… Ainda

Seu avião derrama a chuva de veneno
Na plantação e causa a náusea violenta
E a intoxicação “né” adultos e pequenos
Na mãe que contamina o filho que amamenta
Provoca aborto e suicídio o inseticida
Mas na mansão o fato não sensibiliza
Vocês já não tão nem aí co’aquelas vidas
Vejam como é que o ogrobiz desumaniza

Desmata minas, a amazônia, mato grosso
Infecta solo, rio, ar, lençol freático
Consome, mais do que qualquer outro negócio
Um quatrilhão de litros d’água, o que é dramático
Por tanto mal, do qual vocês não se redimem
Por tal excesso que só leva à escassez
Por essa seca, essa crise, esse crime
Não há maiores responsáveis que vocês

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil
Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito
E eu vejo a terra de vocês restar estéril
Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto
O que será que os seus filhos acharão de
Vocês diante de um legado tão nefasto
Vocês que fazem das fazendas hoje um grande
Deserto verde só de soja, cana ou pasto?
Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão
Mortos pelo grão-negócio de vocês
Pelos milhares dessas vítimas de câncer
De fome e sede, e fogo e bala, e de avcs
Saibam vocês, que ganham “cum” negócio desse
Muitos milhões, enquanto perdem sua alma
Que eu me alegraria se afinal morresse
Este sistema que nos causa tanto trauma

Que eu me alegraria se afinal morresse
Este sistema que nos causa tanto trauma

Que eu me alegraria se afinal morresse
Este sistema que nos causa tanto trauma

Que eu me alegraria se afinal morresse
Este sistema que nos causa tanto trauma

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno

* Benedita da Guia Ferreira é multiplicanda do Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social.

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