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REFLEXÕES SOBRE A ECONOMIA A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS

*Artigo escrito pelo Comunicador Popular Alberto Reani para o Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do FMCJS.

ECONOMIA. Confesso que não entendo nada de Economia. Quando meus pais falavam em “economia” eles entendiam algo como “economizar”, ou “fazer economia”. No máximo era não gastar mais do que se tem e guardar sempre um pouco de dinheiro para, no futuro, na hora de uma necessidade, não ficar pedindo esmola. Meus pais sairam da Segunda Guerra Mundial, depois da qual a Itália estava toda em reconstrução. Nessa época não se vivia se não do estreito necessário e o objetivo principal era comer e dar de comer à família, reconstruir a casa e a cidade, derrubadas pelos bombardeios e pelas divisões sociais que relações partidárias tinham deixado.

Ainda hoje, para mim, economia é principalmente a capacidade de não desperdiçar, de reaproveitar, de viver com o essencial. O mundo das finanças ainda é um mundo escuro, submerso, de investidores que ganham sem trabalhar, sem suar. Coisa que não acontecia na minha família, onde mãe trabalhava desde seus 12 anos em casa de família e pai no trabalho manual de pedreiro. E assim me criei vendo pai passar os domingos pedindo que fosse pago o serviço terminado há meses, e eu mesmo, no fim do ano escolar, vendendo pela metade os livros usados, que também tinha comprado de outros, e dos quais com muito zelo cuidava para poder valorá-los um pouco mais. Era um dos modos como eu, estudante, podia ajudar meus pais na economia familiar, além do trabalho na construção da casa.

Hoje temos de tudo, mas como se diz, “tudo posso, mas nem tudo me convém”! Isso é, eu  devo saber distinguir e decidir entre o que é fundamental, portanto essencial, o que é importante, ou o que é simplesmente superfluo. Nisso, este meu conceito de “economia”, vindo da minha experiência de vida, me facilita. Às vezes entendo isso como uma facilidade para mim, se comparar com as gerações que vieram depois, principalmente as deste século XXI, que “podem tudo”, mas não sabem discernir o que vale, pois o valor, no máximo, é confundido com o “preço”, e o preço, muitas vezes, não tem “custo”. Como diz meu pai, “só sabe o custo das coisas quem sofreu ou suou por elas”. Para saber quanto uma coisa custa é preciso recuperar sua história: de onde vem, como foi produzida, quem a produziu, em que condições, etc.

Ao observar um indígena produzir seu cocar de penas, suas cestarias de palha, ou sua arte de madeira ou de barro, tenho que lembrar o tempo e o esforço para conseguir o material necessário, como também o tempo e as habilidades para produzi-lo. Para alguém o valor econômico é pouco, afinal é todo material “reciclado” da natureza (penas de pássaros, sementes, barro, raízes, fibras vegetais), e acha muito caro um cocar de penas de galinha por 30,00 reais, ou um prato de barro por 8,00 ou 10,00 reais. Também os atravessadores que vem no Brejo dos Padres (Aldeia Pankararu) comprar uma caixa com 90 pinhas, acham muito pagar 30,00 40,00 ou até 50,00 reais, embora sabendo que no Recife por 3 pinhas pagam pelo menos 5,00 reais. Mas alegam que fazem um serviço aos Pankararu, que não teriam como levar para Recife. Ou ainda dizem que a gasolina é muito cara, etc. Engraçado, quem trabalha gasta e quem não trabalha lucra!

Economia e trabalho são conceitos que, ao longo dos últimos 100 anos (fim da escravidão no Brasil em 1888!), mudaram muito de sentido, se adaptando a novas realidades, costumes e mundos (financeiro, tecnológico e virtual). Mas ainda vejo que, se houve “mudanças” no vértice, ainda se sustentam nas mesmas bases: uso e consumo dos elementos (bens) da Natureza e a relação que as pessoas tem com ela, além da necessária mão de obra apesar da sofisticada tecnologia no mundo do trabalho. Um dos problemas é que isso não é mais conscientizado, pois por muitos já foi perdida essa relação com a Natureza, como também com a “história” dos elementos que estamos consumindo. Até quem vive em áreas rurais acaba vendo elementos da Natureza como bens de consumo ou de comércio com fim de lucro. A reflexão a que nos provoca o convite do papa Francisco para uma nova economia (Economia de Francisco e Clara) traz consigo um programa ético: “realmar” a economia, isso é, visar uma economia “justa” que considere o “custo” socio-ecológico. Joseph Stiglitz prefere falar em “economia circular” que, ao meu entender, significa uma circularidade entre Natureza, que nos oferece o produto material, o trabalhador, que o elabora, e o destino socio-ecológico dos recursos que se obtem com a sua comercialização. Assim Stiglitz se expressa:

Temos que buscar desenvolver programas e estudos em torno do conceito da economia circular, que contribuam para uma educação consciente da sustentabilidade ambiental, que requer devolver ao meio ambiente o que lhe é retirado” (In: Carta de Clara e Francisco. Direto do Brasil para o Encontro Mundial em Assis. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/594766-carta-de-clara-e-francisco-direto-do-brasil-para-o-encontro-mundial-em-assis. Acesso em 15/06/2020).

Há uma responsabilidade social com a Natureza e com as futuras gerações, com os que disponibilizam sua força-trabalho ou seus recursos econômicos (investimentos do capital público ou privado, econômico ou tecnológico). Não há espaço para jogos financeiros que iriam beneficiar alguns em prejuízo de outros, sendo estes últimos os que acabam pagando mais (as classes trabalhadoras). Não há espaço para privatizações, principalmente dos elementos básicos de subsistência, sabendo que o Estado tem um papel fundamental para garantir o equilíbrio social e o respeito dos direitos fundamentais.

A pandemia do COVID-19 foi um exemplo bem claro de quanto seja fundamental o papel do Estado para garantir esse equilíbrio. Afinal, também os que sempre invocam a privatização, acabaram pedindo intervenção do Estado. Por isso a importância de Políticas Públicas que garantam o destino público dos recursos, oriente os investimentos em prol da sociedade mais carente e crie mais equilíbrio através taxação dos bens de luxo.

Na Itália da reconstrução pós bélica (décadas de 1950-60) surgiram várias iniciativas locais de solidariedade. Algumas muito parecidas, como os Bancos Populares, ou Bancos Rurais, ou Caixas Econômicas (“Cassa di Risparmio”), todas elas para possibilitar empréstimos com juros baixíssimos para quem queria recomeçar um investimento na agricoltura familiar ou em pequenas empresas familiares ou cooperativas. Quem ainda tinha algum dinheiro o colocava a disposição num fundo social que ia favorecer este tipo de iniciativas. Em concomitância surgiram várias cooperativas de trabalho, uma forma coletiva de se organizar para trabalhar, produzindo renda para os cooperadores e serviços para a sociedade no que mais tivesse necessidade (agricoltura para produzir alimentos, pequenas indústrias para produtos di necessidade, pequenas empresas de construção, etc.). Tudo era na base do que a sociedade tinha necessidade no momento.

Quando as coisas foram controladas e a sociedade italiana conseguiu se reerguer, uma nova fase econômica estava surgindo no horizonte: a economia estava se abrindo para a globalização, embora dentro de “muros” que a Guerra Fria tinha erguido. O processo econômico começou assumir um outro estilo, não mais de cooperativa solidária, mas de empresas cuja finalidade era capitalizar.

Com o mesmo princípio de “economizar”, mas com o fim de capitalizar, as empresas começaram pensar grande a partir do pequeno. Diminuindo as despesas sobre a mão de obra teriam economizado mais. Se espandir entre os países do então chamado Terceiro Mundo, onde as necessidades básicas ainda deixavam o povo em condições de aceitar (por necessidade) investimentos estrangeiros. Muitas fábricas se transferiram da Itália para a Polônia, para a Índia e outros países do Leste, ou para as Áfricas. Para o capital eram oportunidades grandes, e para pessoas sem escrúpulos também.

Na Europa começou uma campanha de sensibilização contra os investimentos dos bancos (e dos estados) em armamento: fabricação e venda de armas. Surgiram assim algumas iniciativas éticas: o Comércio Équo e Solidário, que procurava garantir o justo preço e sem mediações a produtos como café, açúcar, chá e manufatos, vindos de países normalmente explorados e preferindo produtos das cooperativas ou associações, fiscalizadas quanto os princípios éticos; o Banco Ético, que, sendo um banco de fato, tem compromissos éticos de investimentos.

Para fazer alguns exemplos, lembro que um meu colega me contava mais de 20 anos atrás que no Kênia a empresa Del Monte investiu em vários países da África, plantando extensões enormes de abacaxi e banana. Depois de várias críticas sobre a exploração dos trabalhadores, resolveu pagar o justo salário, mas recebeu pressões internas ao estado por parte de outras empresas que diziam não ter condições de fazer o mesmo e isso teria causado uma crise de governo. A Del Monte desistiu.

Houve na Europa há mais de trinta anos um movimento de opinião para um consumo consciente. Esse movimento levou ao boicote dos produtos da Nestlé e da Nike. A Nestlé, na época, estava levando de graça o leite em pó para as maternidades de alguns países da África. O resultado era acostumar os recém-nascidos com o leite em pó, que, depois de sair da maternidade, ficaria por conta das mães, as quais, sem dinheiro, não teriam como alimentá-los, pois o leite do peito já secara. Os médicos alertavam também que o leite materno tinha os anticorpos de que o bebê teria necessidade para enfrentar os vírus durante a vida. A Europa lutou contra a mortalidade infantil boicotando a Nestlé.

O caso da Nike era menos dramático, pois tratava-se de pedir o justo salário para os trabalhadores adultos e lutar contra o trabalho infantil e a exploração de menores, já que as notícias eram de que as fábricas de calçados da Nike “economizavam” a partir da exploração no trabalho. As duas empresas tiveram que mudar de atitudes e os consumidores tiveram clareza do poder que tem. Lembramos aqui o belo exemplo de luta do povo de Cochabamba (Bolívia) na hora em que o país privatizava a água e a deixava em mãos de uma empresa transnacional.

Globalizar a economia significou, porém, abrir para uma nova fase do mercado econômico, o do investimento financeiro. Grandes capitais podiam passar de um lugar para outro num instante, deixando inteiros países em crise econômica. Não se tratava mais de fábricas se mudando da noite para o dia de um país para outro, deixando multidões de trabalhadores desamparados. Eram inteiros capitais se mudando ou jogos econômicos, como o de baixar os preços de mercado de alguns produtos, para ajoelhar a economia do país ou deixando países sem nada e à mercê, provocando fome, inseguranças, migrações e até guerras civis. Lembramos o caso da vizinha Venezuela.

Bom. Por que contar tudo isso? Por que lembrar essas histórias? Se é verdade o que os antigos romanos diziam, podemos aprender pela história. Quais são portanto as lições?

Primeiro, podemos conscientizar que houve um percurso feito, durante as fases históricas e os diferentes países. Fases em que algo que hoje chamamos de economia se transformou lentamente e a partir de vontades (projetos), se tornando hoje quase um monstro que se alimenta de vidas (humanas e não humanas). O Capital parece poder se sustentar, custe o que custar, se adaptando às diversas situações. Pense no capitalismo das empresas (às vezes multinacionais) dos EUA, da Europa, da Rússia ou da China. Meu pai me dizia: dinheiro gera dinheiro. Mas ainda hoje não sei como, pois não é semente!

Em segundo lugar, a história nos mostra várias formas de organização econômica, sendo que hoje prevalece a forma mais individualista, embora precisamos com urgência de formas coletivas e “socialistas” para fortalecer os povos, as pessoas, em primeiro lugar os que nesta economia ficam à margem e portanto à mercê de exploradores impiedosos e inescrupulosos (desde as empresas até as gangues). Formas coletivas de trabalho e de partilha dos frutos.

Ainda, me parece importante destacar a necessidade da “economia circular”, que não pode ser simplesmente a que se refere ao produtor e ao consumidor (possivelmente sem mediações) e sim aquela que considera a origem do produto, sua história, seu percurso e sua finalidade. Nunca podemos esquecer que a origem primeira é a Natureza e a segunda são os que trabalharam para conseguir o produto (do elemento bruto ao confeccionamento final). Mas também nunca podemos esquecer que o produto final deve favorecer a todos que desde o começo estão envolvidos, desde a Natureza. Aí não se trata somente do problema do lixo, pois, de fato, muitos produtos (do começo ao fim do ciclo de produção) acabam virando lixo, contaminando assim a Natureza. Trata-se de pensar (talvez seria melhor dizer avaliar) se vale a pena trabalhar certos elementos da Natureza (por exemplo mercúrio e urânio) e produzir determinados produtos. De se perguntar realmente “quanto custa” ou, para ser mais claros, “a custo de quê”.

Finalmente, é importante entender qual é o nosso papel nesta história. Empreendedor, trabalhador ou consumidor que seja, temos todos uma ética a respeitar, ética de relações: com a Natureza, com as pessoas, com a sociedade e com as futuras gerações. Com a Natureza: sem exploração, permitindo que ela produza no seu próprio ritmo e recicle conforme suas lei os produtos descartados. Com as pessoas: pagando o justo salário, respeitando os direitos à saúde, ao descanso, ao lazer, etc. Sabendo que o justo preço deve ser considerado a partir do trabalho, do esforço, do suor que exige, e não da posição social. Com a sociedade: permitindo uma equa (justa) distribuição do lucro, devolvendo à comunidade, por meio de taxas proporcionais ou de isenções para inábeis ou incapacitados. Valorizando o trabalho manual como serviço social, e não como “de pobre”. Afinal, na Itália os garis são chamados “agentes ecológicos” e são bem remunerados. Com as futuras gerações, considerando sempre como será o mundo depois da nossa passagem. O que vamos deixar?

Por isso o consumidor deve ter consciência do seu poder para orientar as decisões políticas e econômicas. Deve conhecer a história dos produtos que consome e quebrar a cadeia maléfica de exploração, no nível que seja, por meio do consumo consciente. Deve priorizar produtos do comércio équo e solidário, investir em bancos éticos, condenar a produção transgênica ou fruto de manipulação genética. Deve saber usar da água e da energia sem desperdício e agir politicamente para uma forma de produção energética que respeite o ciclo natural. Mas, no que diz respeito ao consumo energético deve estar consciente de que não existe “energia limpa”. Existe somente “redução de consumo”. Faço um exemplo. Na Europa está se investindo em carros elétricos, mas ninguém se pergunta de onde e como será produzida toda aquela energia elétrica de que uma frota de carro como a europeia exige. Haverá necessidade de o Brasil criar mais barragens e submergir mais áreas amazônicas? Haverá necessidade de usinas nucleares?

A palavra de ordem deveria ser para nós consumidores, VIVER DO ESSENCIAL. Mas a experiência do Coronavírus e do isolamento obrigado levanta uma questão: o que é “essencial”? Por outro lado, o lado dos economistas, dos investidores, dos empresários e dos governos, a palavra de ordem deve ser, como alguém sugere, DECRESCIMENTO, acima da febre do crescimento do PIB, por exemplo. Se tivéssemos cuidado com a Natureza, realmente entenderíamos que ela tem recursos limitados e ritmos e tempos próprios de (re)produção.

Alberto Reani