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Quintais de Vida

Artigo com reportagem escrito para o Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental pelas participantes Celina Duarte Rinaldi e Tânia Inês Slongo.

Porque usamos a palavra quintal em vez de horta? 

Tania é natural do município de Tangará/SC,comunidade rural de Linha União, filha de pequenos agricultores. 

Imagem extraída do site da Prefeitura Municipal de Ibiam, que desmembrou-se do Município de Tangará, anexando o local onde Tania nasceu.

Celina é natural da comunidade rural chamada Rio Hipólito, Município de Orleans/SC. Também filha de pequenos agricultores familiar. 

Visão do Rio Hipólito

E lá, naqueles grotões, na roça, no meio rural, não se usava o termo horta, e sim quintal – quintal onde eram plantadas as verduras, legumes, misturados com flores, palmeiras, frutas, plantas medicinais e plantas ornamentais. O quintal, era a extensão da casa do pequeno agricultor. Era, intuitivamente, e pelo conhecimento empírico, plantado de forma consorciada, o que, atualmente, se chama de agrofloresta um sistema que busca imitar a floresta, com controle natural de pragas e uso sustentável do solo.

Porque chamamos de quintais de vida? 

As hortas comunitárias, as hortas urbanas, são vida. E vida no olhar, vida no cultivar e vida no comer. A vida no olhar advém da quebra do concreto, da fumaça, do barulho. Ao estar em um quintal, dentro de uma cidade, é entrar em contato com o belo, é conectar-se com a Pachamama. No cultivo, geralmente coletivo, se criam laços comunitários, se restaura e se fortalece a luta conjunta do povo. E quando se colhe o alimento, quando se leva a mesa o resultado do quintal, da horta comunitária, temos um alimento fresco, macio, saboroso. Temos um alimento da vida, sem ter sido transportado com o uso de combustível, sem o uso de agrotóxico, trazendo, aquele alimento colhido há poucos minutos e metros, o gosto da vida. 

Ana Clara Aparecida Alves de Souza, na tese de doutorado da UFRGS, em 2019, apontou aspectos importantes da agricultura urbana, como a sustentabilidade, a resiliência, o resgate de laços comunitários e um outro bem importante: a revitalização de espaços ociosos, publico e privado, ou seja, os quintas, trazem além da busca de alimentos saudáveis, o embelezamento, a revitalização, trazendo vida para a cidade. A tese aponta, as contradições vividas na cidade e a resistência, a luta que vai até a discussão do direito à cidade, a moradia, o pensar a cidade, ressaltando a importância das hortas comunitárias para a saúde, meio ambiente, para os grupos e comunidades envolvidas, sem deixar de apontar contradições e dificuldades:

A agricultura urbana se configura como um movimento que busca atender demandas oriundas de contradições da cidade (McCLINTOCK, 2014, 2018), tais como areaproximação com o cultivo de alimentos e o consumo de alimentos mais saudáveis, a reaproximação e a integração da comunidade, a criação de mais espaços verdes nos centros urbanos, o desenvolvimento de uma atividade terapêutica para os participantes, a revitalização de espaços ociosos, entre outros. Em contrapartida, é um movimento também apontado como reforçador de contradições, dado que a ocupação do espaço urbano é fonte constante de conflitos, dentre esses estão, por exemplo, a noção de direito à moradia e, mais amplamente, de direito à cidade (McCLINTOCK, 2014; SBICCA, 2014; McCLINTOCK; MIEWALD; McCANN, 2017).

O movimento das hortas urbanas além de sua importância para a saúde, para a organização da comunidade, tem um aspecto de crítica ao modelo de industrialização da agricultura, que gerou, além do êxodo rural, trazendo milhares de pessoas para as periferias da cidade, sem direito aos benefícios da cidade, alijados de direitos, trouxe o desequilíbrio ambiental, o apossamento de poucas empresas mundiais das “marcas” de produtos, de comida. 

Nas hortas urbanas também é praticada uma nova economia – deixa-se de comprar com dinheiro, no grande mercado, um produto que vem “do outro lado” do pais, ou do mundo, para colher ao lado da sua casa. E normalmente se dá por troca, a pessoa trabalha na horta, ou doa sementes, mudas, matéria orgânica para a compostagem e, em troca, recebe comida, portanto, estamos falando de uma economia solidária. 

Susi Mara Freddi, na dissertação de mestrado da UFSC, analisa a agricultura urbana no território da cidade de Joinville dizendo que: “tem potencial para ser um instrumento resgatador de sentimentos e valores humanos que transpõem o conceito de qualidade de vida.” Traz a dimensão do bem viver. Joinville é a maior cidade de SC, industrializada, porém, aumentada a partir de colonos, de agricultores, que forçados pela “revolução verde”, pele abandono dos campos pelo governo federal/ditadura, migraram em busca de um emprego, e assim, agora, na agricultura urbana, buscam um restar de suas raízes, tem o “saber e o prazer de sua relação com a natureza e dela prover seu sustento”, como uma janela para o bem viver:

Efeitos benéficos no campo do econômico, social, subjetivo/simbólico e da saúde foram apontados pelos agricultores urbanos como derivados da prática da agricultura urbana, norteando a elaboração do construto. Ideias como liberdade, respeito, realização pessoal, companheirismo, solidariedade, generosidade, amizade, prazer em viver, pertencimento, soberania alimentar, trabalho libertador e um completo bem estar físico, mental e social, extraídas da pesquisa podem ser apontadas como noções aglutinadoras para o entendimento que se elaborou sobre bem viver. A partir das análises e reflexões desta pesquisa se supõe possível existir um bem viver para aquelas pessoas, naquelas condições, no tempo e nos espaços em que vivem, o qual se chamou de bem viver contingente. Talvez, a maior contribuição da agricultura urbana para o bem viver se dê pelo seu potencial de intervenção no plano da cultura. Para além de provedora de alimentos saudáveis e frescos, constitui-se num lócus do fazer político no qual as populações, sobretudo as desassistidas, vão lentamente transformando-se de um mero número nas estatísticas, para cidadãos dotados de direitos e deveres.

Publicação do Grupo Tellus, com o título O Impacto da Agricultura Urbana Nas Cidades do Futuro, aponta a preocupação da ONU com o déficit alimentar, com metas de corrigir até 2030. De fato a agricultura em larga escala, o modelo atual, não garante alimentos para todos e ainda mais com a previsão de que até 2030, 60% da população mundial more no meio urbano. Assim a agricultura urbana, segundo a matéria, vem como solução para prover a alimentação em cidades inteligentes, usando métodos avançados de produção como, por exemplo: hidroponia, aeroponia, irrigação por gotejamento. No Brasil, no MG, em Campo Grande, a prefeitura tem o Programa de Agricultura Urbana, e pretende implantar, até final de 2020, 200 hortas comunitárias. A EMBRAPA, sobre a importância da agricultura urbana, aponta que esta “surge como estratégia efetiva de fornecimento de alimentos, geração de empregos, além de contribuir para a segurança alimentar e melhoria da nutrição dos habitantes da cidade.”

Florianópolis cultiva mais de 100 hortas orgânicas e contribui para o bem estar da cidade, segundo manchete do Jornal NSC de 03/09/2019.Coloca  o movimento das hortas comunitárias como uma revolução silenciosa que transformou essa Capital em uma cidade mais sustentável. Diz que os benefícios são incontáveis, pois permitem uma reconexão com a natureza, ajudam a reduzir o estresse, promovem a convivência comunitária, produz alimentos mais nutritivos e saudáveis, promovem o bem-estar e ainda com as plantas medicinais, também cultivadas na agricultura urbana, auxilia na cura de doenças. Segundo o Jornal ND + em matéria semelhante a agricultura urbana trouxe “arte e vida onde antes havia apenas lixo”, destacando o projeto Revitaliza Floripa, em que a Prefeitura promove a limpeza de espaços para a implantação de hortas comunitárias. 

O Jornal dos Condomínios de SC, publicou em 30/09/2019, matéria sobre as hortas urbanas, colocando-as como ação de sustentabilidade, qualidade de alimentação, integração entre os moradores e função terapêutica. Diz que as hortas em Condomínios, cria ambientes cooperativos nos edifícios. Diz que a pratica da agricultura urbana traz o consumo de alimentos fresquinhos e livres de veneno, busca que vem crescendo muito, a chamada “economia verde”. Destaca que é mais do que fornecer alimentos é a sociabilização dos condôminos com “um vínculo maior e isso é forte igual a uma raiz”. 

Segundo o Jornal acima citado, em Florianópolis são mais de 100 hortas urbanas, localizadas em parques, escolas, postos de saúde, hospitais. Aponta que existe uma política municipal de apoio a agricultura urbana O Programa Municipal de Agricultura Urbana, sendo que 14 órgãos municipais estão envolvidos, citando a visão da gerente da Divisão de Gestão Ambiental da COMCAP: “Elas promovem um espaço de crescimento pessoal, em que há troca de experiências e conhecimentos. Nas escolas, por exemplo, tudo é feito de forma pedagógica, com a participação da comunidade escolar e acompanhamento da equipe de nutricionistas da Secretaria Municipal de Educação.”

Destaca-se que em Florianópolis há o Decreto Municipal nº 17.688, de 05 de junho de 2017, que dispõe sobre a criação do programa municipal de agricultura urbana, que “promoverá práticas agroecológicas que envolvam a produção, o agroextrativismo, a coleta, a transformação e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos voltados ao consumo próprio, trocas, doações ou comercialização, aproveitando e reaproveitando, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais”. E “as práticas agroecológicas em meio urbano deverão contemplar a melhoria das condições nutricionais e de saúde, de lazer, de saneamento, valorização da cultura, interação comunitária, educação ambiental, cuidado com o meio ambiente, função social do uso do solo, geração de emprego e renda, agroecoturismo, melhoria urbanística da cidade e sustentabilidade”. 

Publicação da UFSC, Cotidiano, sobre as hortas urbanas de Florianópolis, aponta que esta Capital aderiu ao movimento mundial de hortas em espaços urbanos, apontando que a agricultura urbana estimula o trabalho em conjunto, instiga a educação socioambiental e desenvolve uma consciência de integração entre o ser humano e a cidade, com princípios comuns de cooperação, sustentabilidade, valorização da diversidade, como uma nova forma de pensar as cidades e as relações humanas. Cita que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo, e que a agricultura urbana, sendo orgânica, tem importância para a promoção da saúde, além da questão ambiental, por usar a técnica da compostagem, evitando a ida dos resíduos para aterros sanitários, a permacultura, bem como o resgate de plantas e sementes tradicionais e ainda, o controle natural de pragas e a importância para os insetos polinizadores. Ressalta-se a fala do técnico da CEPAGRO e Presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de SC: “acredita que o maior benefício das hortas comunitárias e urbanas é a aproximação de conhecimento dos meios rurais às tecnologias das grandes cidades. Além de promover a reflexão sobre os meios de produção e descarte dos alimentos, a produção coletiva dos de hortas e adubos orgânicos também proporciona economia financeira ao município, que deixa de coletar os lixos orgânicos das comunidades onde são desenvolvidos estes projetos.”

A agricultura urbana foi implantada como Política Nacional de Agricultura Urbana em 2003 com a criação do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome – MESA, e nas ações do Programa Fome Zero, com o apoio do Governo Federal para as práticas agrícolas nos espaços urbanos (IPEA, 2004). Em 2004 mudou para Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, que incorporou a agricultura urbana como um dos instrumentos que poderia colaborar na promoção de sistemas locais de segurança alimentar que garantissem o abastecimento alimentar. Em 2008 foi criado o Programa de Agricultura Urbana, como política de governo a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social, programas, que, infelizmente, foram encerrados em 2013.

Um exemplo de uma cidade sustentável, onde as pessoas plantam sua própria comida e LesAvanchets, na Suíça, onde as hortas caseiras é a regra, tradição passada de uma geração a outra, produzindo alimentos saudáveis, produzindo solidariedade entre os vizinhos, amizades, vida comunitária, economia circular e trazendo saúde mental, pois o contato com a terra, com a natureza, a observação de ser co-criador no semear, no cultivar, no colher e no alimentar-se traz o bem viver.

A foto abaixo demonstra a beleza dos quintais dessa cidade, misturando as casa, ruas, as vidas humanas, com verduras e com flores. Que LesAvanchets, nos inspire:

Matéria de 23/03/2020. 

Em Santa Catarina, após um processo de discussão de mais de 5 anos de reuniões e debates, com a Secretaria de Agricultura e Pesca. Com a participação  fundamental do Laboratório de Educação do Campo e Estudos da Reforma Agrária (Lecera/UFSC), da Epagri, Cidasc, Fetrafe outros movimentos e entidades, foi votada e sancionada a Lei nº 17533 de 19/06/2018, que Institui a Política Estadual de Apoio à Agricultura Urbana, decorrente de projeto de lei do Deputado Pedro Baldiserra, cujo mandato tem eixo na defesa do meio ambiente, da vida, dos ecossistemas e um grande incentivador da agricultura urbana, até mesmo por sua vocação religiosa, é padre e um seguidor da teologia da libertação. A lei é voltada à promoção da segurança alimentar e nutricional e da melhoria da renda e qualidade de vida da população-alvo a que se destina.

A lei define a agricultura urbana como sendo: “as atividades de lavoura, de cultivo de flores, plantas medicinais e espécies frutíferas, de extrativismo vegetal, de produção de mudas, de gestão de resíduos orgânicos e de produção artesanal de alimentos para o consumo humano desenvolvidas em áreas urbanas e de acordo com o Plano Diretor do Município.”

E aponta os objetivos da Política Estadual de Apoio à Agricultura Urbana, como sendo: “I – contribuir com a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; II – combater a fome; III – incentivar a produção de alimentos saudáveis por meio de práticas agrícolas sustentáveis; IV – incentivar a geração de  emprego e renda; V – promover a inclusão social VI – incentivar o associativismo; e VII – incentivar a venda direta do produtor ao consumidor.”

A lei atribui deveres ao Estado, em parceria com os Municípios, para a consecução dos objetivos da agricultura urbana: “I – estimular práticas de cultivo e beneficiamento que previnam e controlem a poluição e a erosão, que protejam a flora, fauna e paisagem natural e cuja referência seja a produção agroecológica; II – estimular práticas que evitem, minimizem, reutilizem, reciclem, tratem e disponham adequadamente os resíduos poluentes, perigosos ou nocivos ao meio ambiente, à saúde humana e ao bem-estar público; III – incentivar cessões de uso de imóveis públicos e utilização de imóveis particulares para o desenvolvimento de programas e ações comunitárias de agricultura urbana; IV – elaborar projetos de produção agrícola em áreas urbanas, com ações de orientação técnica, sanitária e legal e com previsão de mecanismos de acompanhamento e avaliação; V – estabelecer parcerias com entidades públicas e privadas; e VI – promover formas e instrumentos de agregação de valor aos produtos.”

A função social da propriedade foi atribuída pela lei, quando usada na agricultura urbana: “A utilização de imóvel para a agricultura urbana será considerada indutora da função social da propriedade, em conformidade com o art. 186 da Constituição da República, sem prejuízo da aplicação de outros instrumentos definidos pelos Municípios.”

Quem são os beneficiários prioritários da Política Estadual de Apoio à Agricultura Urbana, segundo a lei? “I – as pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional mapeadas pelos Municípios via Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB), Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e estratégia e-SUS de Atenção Básica (e-SUS AB); II – os fornecedores de alimentos vinculados ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no Estado; e III – os projetos comunitários de agricultura urbana reconhecidos pelos Municípios.”

Aponta a lei, também o órgão responsável no Estado:  “A Política Estadual de Apoio à Agricultura Urbana será desenvolvida pela Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca (SAR), em colaboração com a Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação (SST)”, podendo ser designado outros órgãos e entidades, bem como firmar parcerias e convênios para alcançar os objetivos da lei. 

ALGUNS QUINTAIS DE VIDA EM SANTA CATARINA

Luis Gustavo Almeida, morador do bairro Castanheiras em Florianópolis, conta que a partir de 2012, a partir de uma piscina de plástico, que retirou de sua casa, passou a participar do movimento “quintais de floripa”, com mutirões, um movimento organizado, implantando várias hortas comunitárias na região. Aponta que o maior legado das hortas comunitárias é o aprendizado, que usa até hoje em sua casa, como: captura da água de chuva, sistema de drenagens, permacultura, reaproveitamento, tudo que aprendeu nas hortas comunitárias. Diz que antes da pandemia estava atuando nas hortas escolares, exemplo,escola do Ribeirão da Ilha, movimento escolas sustentáveis, com compostagens e que por conta do isolamento social, o processo parou. Aponta que o movimento comunitário levou a organização da comunidade, como por exemplo, o mutirão de bioconstrução da Radio Campeche, que construiu sua sede, com a participação da comunidade voluntária, ou seja, fortaleceu a coletividade, a rede comunitária do bairro.  

Em Florianópolis, no sul da ilha, bairro Campeche, tem a horta do PACUCA. Esse nome PACUCA é um projeto da comunidade de transformar uma área, antes da aeronáutica, e agora da União, em um PARQUE CULTURAL DO CAMPECHE, com o sonho comunitário de área verde, de lazer, de esportes, cultural, histórica dessa área, já tombada como patrimônio cultural, eis que fora o primeiro campo de aviação de Florianópolis, onde servia de pouso para aviões vindos da Europa, com destino a Buenos Aires, onde pousavam os aviões da Companhia Francesa Aeropostale, onde, há relatos de que Saint-Exupéry,escritor e aviador, teria pousado nestes campos. Bom, enquanto o PACUCA ainda é sonho e luta, a horta já é fato. 

A organização responsável pela horta é a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CAMPECHE – AMOCAM, entidade comunitária que atua desde o ano de 1987. Segundo seu presidente Alencar Valmor Vigano (vídeo anexo): ele é morador nativo da ilha, a horta comunitária do PACUCA é referência na cidade, em um espaço de defesa da cultura, da luta, defesa da história. A horta comunitária usa esse espaço como produção de alimentos, atividade essencial, trabalha com compostagem dos resíduos sólidos da região, com envolvimento dos moradores, produzindo adubo para a horta. Essa horta é espaço de aprendizado, de Educação ambiental, modelo, referência para cursos, eventos, funciona como laboratório de pesquisas das universidades, prefeitura, escolas. A horta é um espaço de aprendizagem, de luta, resistência, espaço de produção agroecológica, um modelo a ser seguido, estudado e incentivado, pois leva alimentação saudável e segura. 

Na Comunidade Monte Serrat, no alto do Morro da Cruz, em Florianópolis, em uma comunidade empobrecida, área de ZEIS – Zona de Interesse Social, vive o Padre Vilson Groh, missionário que lidera projetos sociais, e dentre os belos projetos, um deles é o da horta comunitária Papa Francisco, que em um antigo depósito de lixo, a comunidade, através de mutirão, plantou espécies frutíferas nativa da mata atlântica, verduras, flores, plantas medicinais, “refloresceu o morro”, com meta de, em cada casa do morro ter um jardim. 

Outro lindo projeto de horta comunitária, é o da ocupação Beira Rio, no Município de Palhoça, na grande Florianópolis. Por primeiro, cabe dizer que a Ocupação Beira Rio, está na luta pelo direito à moradia, eis que o Município busca despejá-los do lugar onde, há décadas, moram, sem, no entanto, apontar outra opção. A Comunidade Beira Rio é composta por pessoas pobres, sendo 114 famílias, 132 crianças, 13 idosos, 206 adultos (as), 2 grávidas, 19 doentes, 4 deficientes, 4 casas sem banheiro, totalizando 351 pessoas, cuja ação do Estado é totalmente ausente, salvo seu braço policial. E é neste contexto, que vivem 6 famílias de um lado da ocupação que, plantou um lindo quintal, são famílias que trabalham com reciclado e que transformaram o espaço antes um lixão em um quintal com muitas espécies de arvores frutíferas, pêssego, laranja, lima, mamão acerola, ameixa, pitanga, abacate, manga, parreira. Tais, uma das lideranças locais, relata o drama de verem suas casas derrubadas pela prefeitura, depois de construírem ali seu lar, depois de reflorestarem o local, de limparem o local, que antes era um lixão e trabalharem com reciclagem, ajudando o meio ambiente, dizendo que só querem viver. 

Em Lages, na fria serra catarinense, também há hortas comunitárias. E a FINER – Fundação Nereu Ramos, em plena pandemia, obedecendo e respeitando os cuidados sanitários, e já no frio de junho/2020, vem plantando e colhendo vida, conforme aponta Erli Camargo: ressalta que a horta comunitária pratica a economia solidária, envolvendo as famílias, unindo em torno de um objetivo comum, compartilhando os sonhos, o trabalho, a colheita, assim como os desafios, possuindo conhecimento, comprometimento e adesão ao projeto. São duas hortas, uma como suporte, como produtora de mudas, servindo de horto e a outra de plantio efetivo. São 47 canteiros, com 30 metros de comprimento. Trabalham com coleta de água da chuva para irrigar as plantas. São dois pilares: economia solidária e agroecologia. É “o compartilhamento de  das esperanças nesse tempo tão difícil que estamos vivendo, de crise sanitária e econômica”. Diz que o fazer solidário anima e que a economia solidária é opção para os desafios econômicos, como opção para os pobres. Registra-se que a FINER trabalha em parceria com a Ecoserra, uma Cooeprativa local. 

Horta da Fundação Nereu Ramos – FINER, em Lages/SC. Um dos 47 canteiros da horta comunitária, com 30 metros de comprimento.

Assista, a seguir, o vídeo com imagens dos quintais de vida e com os depoimentos dos lideres comunitários envolvidos:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Falhamos na nossa responsabilidade de guardiães e administradores da Terra. Basta olhar a realidade com sinceridade para ver que há uma grande deterioração da nossa casa comum. Poluímo-la, saqueámo-la, colocando em perigo a nossa própria vida (…). Não há futuro para nós se destruirmos o meio ambiente que nos sustenta.” Papa Francisco

Pois bem. Quais as conseqüências da agricultura das economias periféricas no capitalismo financeiro internacional e em crise?

  • Grupos econômicos do hemisfério norte passam a aplicar ativos no sul;
  • A crise do petróleo levou a produção de agro-combustíveis;
  • Compra e bolsas de valores de mercadorias agrícolas e minérios, e o valor dos produtos agrícolas é de acordo com a bolsa de valores, especulativo e não real.
  • Concentração do controle da produção e comércio de produtos a nível mundial.
  • Centralização do capital.
  • Simbiose capital industrial, capital comercial e capital financeiro.
  • Controle preços dos produtos, dos insumos agrícolas.
  • Hegemonia das empresas no conhecimento científico. Privatização do conhecimento, da pesquisa e de seus resultados. Privatização das sementes, água, territórios.
  • Concentração da produção agrícola em poucas empresas.
  • Padronização dos alimentos humanos (ração).
  • Monocultura industrial de árvores (desertos verdes), para fabricação de celulose.
  • Aliança dos fazendeiros/latifundiários com transnacionais para agricultura intensiva.
  • Re-divisão internacional da produção e do trabalho, com países do sul exportadores de matéria prima agrícola.
  • Governos subalternos as transnacionais

O modelo do agronegócio é voltado para as commodites, dólares nas bolsas de valores e não na produção de alimentos e sim para os tanques dos automóveis e para ração animal.

Contradições:

  • É dependente de insumos, fertilizantes químicos, derivados de petróleo. Recursos finitos, a médio prazo.
  • Preço alto. Revolta da população. Aumento da fome de um lado e crescimento da produção de alimentos de outro.
  • Resistência ao uso de produtos com agrotóxico.
  • Êxodo rural.  Aumento da favelização e inchaço das cidades.
  • Intolerância ao uso de transgênicos.
  • Mudanças climáticas por conta da monocultura.
  • Ameaça a soberania nacional com as terras vendida para estrangeiros.
  • Aquecimento global causado pelo uso de carros individuais.
  • Divisão internacional do trabalho e da produção, inviabiliza projeto de desenvolvimento nacional, com desemprego, migração, etc. 
  • Destruição pequenos supermercados por grandes redes internacionais.
  • Hormônios na carne, trazendo problemas de saúde a população.
  • Precarização do trabalho nas grandes fazendas.
  • Ausência de projeto para a juventude rural, comprometendo o futuro.
  • Desertos verdes com concentração urbana.

É necessário repensar?Sim. É preciso um novo programa camponês para a América Latina, sendo um projeto popular, anti-capitalista, sob controle dos trabalhadores com o foco na produção para suprir as necessidades alimentares do país, com soberania de cada país em alimentos saudáveis, e somente o excedente vender. Com diversificação. Com agroindústria em pequena e média escala. Impedir a concentração de terra, de água, florestas. Aumento da produtividade.  Diminuir o esforço físico humano na agricultura. Política de desmatamento zero. Preservação, difusão e multiplicação das sementes nativas. Água um direito de todos. Programa energético popular para o país. Democratização do território. Respeito aos indígenas, quilombolas, povos tradicionais. Proibição de compra de terras por empresa estrangeira. Políticas públicas voltadas para o campesinato. Seguridade social para população rural. Educação no campo. Mudança acordos internacionais de livre comércio. Produção de celulose por indústrias menores. Melhoria nas condições de vida no campo. Cultivo de valores solidariedade, justiça social. Valorização dos hábitos culturais.

Sendo que a agricultura urbana está dentro desse novo projeto visando a soberania alimentar, a produção de forma sustentável e para matar a fome das pessoas, com respeito a mãe terra e seus filhos, bem como faz parte de um novo modelo econômico baseado na economia solidária, e ainda, contribuindo nas relações nas comunidades e no bem viver das pessoas. 

FONTES DE PESQUISA

1.    Agricultura urbana orgânica: entenda por que é uma boa ideia – https://www.ecycle.com.br/5666-agricultura-urbana.html.

2.    Acosta, Alberto. Bem Viver. Texto base do Curso do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, Formação Continuada e Multiplicadora, Módulo

3. ALESC. http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/gabinetes_single/padre-pedro-destaca-regulamentacaeo-da-agricultura-urbana.

4. Boff, Leonardo. A Dignidade da Terra e Seus Direitos. Texto base do Curso do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, Formação Continuada e Multiplicadora, Módulo 1.

5.    CEPAGRO. https://cepagroagroecologia.wordpress.com/tag/agricultura-urbana/Ciclo Vivo. Uma Cidade onde as pessoas planam sua própria comida. https://ciclovivo.com.br/arq-urb/urbanismo/uma-cidade-onde-as-pessoas-plantam-sua-propria-comida/


6 . CondomíniosSC. Hortas urbanas: alimentos orgânicos em casa. https://condominiosc.com.br/jornal-dos-condominios/sustentabilidade/3906-hortas-urbanas-alimentos-organicos-em-casa

7. Ferreira, Giovana Callado. Pelo direito à cidade: Políticas públicas e hortas urbanas em Florianópolis. http://www.unicap.br/ojs/index.php/historia/article/view/1510

8. Krenak, Ailton. Ideias Para Adiar o fim do Mundo. Cia das Letras.

9. ND+ Florianópolis tem mais de cem hortas comunitárias, que produzem alimentos sem agrotóxicohttps://ndmais.com.br/noticias/florianopolis-tem-mais-de-cem-hortas-comunitarias-que-produzem-alimentos-sem-agrotoxico/

10. NSCTotal. Florianópolis cultiva mais de 100 hortas orgânicas e contribui  para o bem estar da cidade. https://www.nsctotal.com.br/noticias/florianopolis-cultiva-mais-de-100-hortas-organicas-e-contribui-para-o-bem-estar-na-cidade

11. O impacto da agricultura urbana nas cidades do futuro. https://tellus.org.br/instituto/agricultura-urbana-cidade-futuro/

12. Papa Francesco. A um Exército Invisível, escrito na páscoa de 2020. Escrito para os movimentos ou organizações de base da economia informal e popular. Extraído do Livro vida após a pandemia. LibreriaEditrice Vaticana. 

13. Pontes, Felicio de Araujo. Lucivaldo Vasconcelos Barros. A Natureza Como Sujeito de Direitos. Texto base do Curso do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, Formação Continuada e Multiplicadora, Módulo 1.

14. Prefeitura Municipal de Florianópolis. https://leismunicipais.com.br/a2/sc/f/florianopolis/decreto/2017/1769/17688/decreto-n-17688-2017-dispoe-sobre-a-criacao-do-programa-municipal-de-agricultura-urbana

15. Souza, Ana Clara Aparecida Alves de. A conciliação de contradições inerentes à prática coletiva da agricultura urbana. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/196059?fbclid=IwAR21qnAg7LEGD6YlpZwT4wjbCAnBVSrn0UMBcdpFrTFLTaxw3Ov6pgfC1n4

16. Subsídios para debater a questão agrária brasileira. 2015. Jacob Gorender, Peter L. Eisenberg, Ciro Cardoso, Stedile. Cartilha sobre a Questão Agrária, usada no Curso de Pós Graduação em Realidade Brasileira, UFSC. 2017. Educação do Campo.

17. Susi Mara Freddi. UFSC. https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/135125/334501.pdf?sequence=1&isAllowed=y