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Mineração ilegal no Rio Madeira

Essa entrevista foi produzida como tarefa de comunicação do Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do FMCJS pelo comunicador popular Diogo Ferreira Ribeiro.

Ademir Jackson

Entrevista com Ademir Jackson 

“[…]o garimpo ilegal entra de forma brusca na vida dos ribeirinhos, indígenas, do rio, da Mata, vegetais e animais! E ninguém liga pra isso! Pois alia há vida! Ali tudo respira! Tudo tem uma conexão e um sentido!”
Em entrevista, o missionário leigo da Prelazia de Borba/Am, Ademir Jackson Pereira, falou um pouco sobre uma das maiores problemáticas que afrontam as águas do rio Madeira e toda vida residente nessa rio e em suas margens, a mineração ilegal:

Mineração ilegal no Rio Madeira (Foto UOL)

A quanto tempo essa prática está instalada nessa região?

“Ela começou no sudoeste do nosso estado (Am). Sempre Rondônia foi a porta para o início dessa atividade no rio Madeira. Então as pesquisas feitas dizem que chegaram as primeiras balsas para a extração em 1978. Isso quer dizer que na década de 70 foi o início dessa atividade, porém, ela já estava sendo visada a muito tempo.
Nossa região sempre foi visada desde a chegada dos espanhóis e dos portugueses, que logo perceberam essa presença dos minérios nessa região”

Quais as consequências para a vida do rio e dos seres viventes nele?

“É uma agressão a vida do rio, pois há um derramamento de substâncias, como óleo, diesel, gasolina e outros elementos químicos que são usados para apuração do ouro. É evidente que a vida das pessoas são afetadas por doenças, como alterações no sangue e a questão cancerígena e cardíaca que vão surgindo na vida dos ribeirinhos. 
A vida dos peixes também são alteradas!
Esse ano mesmo em uma comunidade chamada lago do Arapapá, rio Madeira acima, os peixes estão surgindo com muita deficiência no corpo, parece que há uma alteração que ninguém sabe explicar! Nós fazíamos essa reflexão lá, dessa questão da presença do garimpo que depois que chegaram naquela região, os peixes começaram a ter essa alteração, e eu dizia para eles que não comessem aquele peixe! Então são essas um pouco das consequências para a vida do rio, essa agressão brusca que acontece a partir do derramamento dessas químicas e que agridem a vida dos seres que ali vivem”

Quais as consequências para os povos ribeirinhos que sobrevivem de recursos provenientes do rio?

“O primeiro recurso, importantíssimo, é a água! Água! Esse ano mesmo fizemos como Igreja, rodas de conversas com as comunidades, onde de fato estivemos presentes fazendo reflexões a partir da Espiritualidade, material e caminho proposto pela REPAM a partir do Sínodo para a Amazônia. É muito claro e ao mesmo tempo triste ver o grande derramamento de óleo no rio Madeira. Eu cheguei em uma casa que tinha uma balsa no porto, e em torno do porto era só óleo, chegava a fazer camadas na beria. E o que acontece? O ribeirinho está usando o motor para puxar a água ou coisa parecida, pois já não busca mais no balde, coloca a mangueira mais a fundo no rio pra buscar uma água ‘mais saudável’ , mas se água por cima está contaminada, está contaminada como um todo! Nas comunidades ribeirinhas não tem um tratamento adequado com a água, então eles a consomem diretamente. Portanto essa é uma das consequências gravíssimas que acontece até hoje em relação ao garimpo!”

Qual a posição das autoridades?

“As autoridades locais, estaduais e 
de meio ambiente, que deveriam ser os órgãos mais presentes, teriam tomado uma posição de enfrentamento, mas da maioria dos chefes do executivo e do legislativo há um recuo nesse enfrentamento! 
Então, de um modo geral, as autoridades estaduais e municipais não colocam isso em pauta, nem na Câmara e nem em políticas públicas dos governos executivos. A posição das autiridades é uma posição de omissão e de total falta de interesse! Pois há primeiramente um interesse econômico, individual e grupal entre essas autoridades e os garimpeiros autônomos. Então temos contado com pessoas leigas que tentam gritar e denunciar de alguma forma!
Em Borba viemos fazendo barulho através dos meios de comunicação como a rádio, e essa pauta chegou a ser debatida na Câmara Municipal da cidade, e em outras que fazem parte da calha do Madeira, porém houve uma grande reação dos garimpeiros que tentaram atear fogo nas Câmaras. O que muito se debateu entre os vereadores foi a prostituição que é consequência do garimpo ilegal, os garimpeiros também reagiram tentando intimidar a quem se posicionava e por isso a reação vinda das autoridades se tornaram de omissão, concordância ou combinação entre os garimpeiros. É uma pena! É lamentável!”

Qual a importância da implementação de leis orgânicas que visão a proteção das águas do rio Madeira?

“As autoridades e a sociedade de um modo geral poderiam buscar mais essa ferramenta que é o código de mineração.
Se viesse a acontecer essa implementação de leis que visam a proteção das águas do rio Madeira, seria fundamental, pois o que precisamos hoje é de leis mais específicas!
Nós temos uma lei muito ampla na Constituição, no código de proteção a floresta e no código de mineração. Enfim, todos esses códigos que trabalham com a proteção do meio ambiente, elas são muito abertas e cheias brechas, por isso essa ilegalidade muito comum na nossa região, porque não há uma lei específica. Portando, com a implementação de leis orgânicas que visam essa proteção, quem sabe seria um dos caminhos para a sociedade ter ferramentas para cobrar. Hoje nos sentimos impotentes na calha do rio Madeira, não sabemos pra quem apelar, apelamos muito para a Polícia Federal e Exército, pois querendo ou não, foram essas forças que tiveram mais presentes em nossa calha de alguma forma, assim como a própria imprensa que chegou a denunciar várias vezes. Então essas foram as formas de enfrentamento ao garimpo ilegal por causa das consequências dessa prática, mas se essas leis vivessem a acontecer seria um caminho e ferramenta para a população e as comunidades se organizarem e terem como se proteger e proteger a vida do próprio rio”

Quais são os principais minérios explorados, a técnica usada pelos garimpeiros e quais são os poluentes usados na mineração?

“Desde a década de 70, quando tudo começou, havia a questão do diamante, petróleo, gás natural e a casterita. E o minério mais visados pela ganância e exploração de trabalho escravo na época pelos ‘senhores feudais’ (que é como costumo denominar aqueles que fazem acontecer a escravidão no garimpo, é uma referência aos atuais senhores feudais) é o ouro, e hoje continua sendo o minério mais explorado.
A técnica que eles usavam chamamos de ciclo, que são três: eles usavam o trabalho mais manual, como a pá, bacia, enchó e o terçado, tudo que era manual eles ultizavam para a retirada do minério; Depois de um tempo o general João Batista autorizou o uso de balsas, que é uma casa fluvial de estrutura onde se instalava um motor HP10, e a força dependia muito da possibilidade que a pessoa tinha pra comprar a máquina, então tinha um mergulhador, um andador, e no mergulhador se levava uma espécie de broca e fazia o manuseio procurando onde estava o ouro. Por muito tempo e até hoje ainda se utiliza essa forma; E então veio a liberação das dragas, que já é uma tecnologia mais avançada, que vem com uma mangueira muito grande e com uma broca com lâminas mais velozes e já não precisa mais do mergulhador para procurar o ouro, para ‘garimpar’ como chamam. Ela trouxe essa tecnologia, e hoje essas dragas são equipadas com várias tecnologias, com tudo que você imagina. Essas eram é são as formas de exploração.
Os poluentes, um deles que é muito perigoso, é o Mercúrio, que é utilizado para a apuração do ouro, depois que ele passa por um processo de limpeza da terra e dos cascalhos que vêm da areia e toda sujeira grudada no ouro, então usam o Mercúrio para encontrar esse ouro, e depois esse mercúrio é despejado na água. Evidentemente esse poluente vem agredindo muito a vida da vegetação, dos peixes e outros recursos que temos na natureza, e que o rio dispõe para nós dessa riqueza.

Além da poluição, a mineração também atrai violência contra comunidades e povos indígenas? Quais tipos de violência e qual público é atingido?

“Além da poluição, o garimpo também trás outras violências sim! Contra as comunidades indígenas e ribeirinhos. 
No garimpo há uma presença muito grande de perseguições, repressão e rivalidade, eles andam armados! E entre os próprios garimpeiros há uma lei própria, pois ao se instalarem em uma localidade, eles também geram uma comunidade própria. Para os moradores próximos, isso é visto como um giro na economia local, mas não é bem isso! Eles aparentam contribuir com a comunidade no que se diz a compra de peixes, frutas, as festas tradicionais que eles patrocinam e os torneios. Eles tentam ali deixar o rendimento da venda do ouro e acabam levando consigo uma série de violências. Uma delas é a questão do tráfico de drogas! Hoje com a distribuição da tecnologia, é possível através de uma detecção saber quem é o líder na cidade, quem vende e quem distribui, e mesmo assim eles vendem livremente pelas balsas. Isso é algo muito sério!
Outra situação que passamos recentemente, e como Igreja intervimos, é a exploração sexual. Onde eu moro, no bairro do Recreio (Borba-Am) foi o ponto de uma balsa de garimpo que levava e trazia pessoas para serem violentadas. Na cidade houve um grande barulho por parte dos cidadãos e pais que procuravam seus filhos. Depois descobrimos que quem os levavam eram comerciante, “cafetonas” que ainda existe né! Enfim, o publico alvo, evidentemente foram as mulheres, principalmente as adolescentes que eram seduzidas e conduzidas para essas atividades coordenadas por adultos. 
Na questão indígena também! Onde eles conseguem estar presente, eles conseguem persuadir aquelas pessoas, principalmente os que estão mais na calha do rio Madeira, através do dinheiro, conseguem transparecer que aquilo é tranquilo, saudável e comum! Então, esse tipo de violência, e entre outras é uma realidade, e eu espero um dia poder ter leis que fiscalizam mais! Triste é saber que as próprias autoridades municipais estão envolvidos nestas questões, como sujeitos que compactuam e não como sujeitos que defendem a vida e que buscam resolver! Mas não, eles fazem parte do esquema!”

Existem grupos econômicos que estão por detrás da mineração ilegal?

“Sim, deve existir sim grupos econômicos por detrás dessa mineração, pois a gente entende que um grande negócio, não estamos falando de poucas coisas, estamos falando de um comércio nacional e internacional. Perto de minha casa no interior, e em todos os lugares, é impressionante ver os grandes empresários comprando o ouro e vindo é avião. Então a partir daí, percebemos que não é uma coisa pequena! Tem grandes interesses! E parte desse ouro vai para o exterior. Temos que ver que existe os garimpeiros e os donos de balsas, esses donos de balsas pagam os garimpeiros, e além disso existe os compradores intermediários e os empresários que só recebem. O que é pago em 1g de ouro para os garimpeiros autônomos, aqueles que trabalham em suas balsas individuais, é pago um preço muito baixo pelo trabalho, depois aquilo é vendido pelos grandes empresários por outro valor onde é tirado os grandes lucros. 
É impressionante como é tirado uma riqueza da Natureza local, e a comunidade não fica com nem uma parte do recurso e os trabalhadores escravos do garimpo ficam com o que pagam a eles, e compram o que comer e beber dos comércios locais, e é o que gira relativo a economia naquela região. Não é muito coisa não! Os grandes grupos que estão por detrás são os grandes empresários da região e que tem uma conexão internacional, é um grupo organizado, tanto que se você perceber hoje, os investimentos nas dragas são muito grandes! Milhões que são investidos nessas dragas e em compras de maquinários, tecnologias e equipamentos para uma draga, pois ela consegue extrair mais e se instalar em qualquer lugar, e consegue acabar com a Natureza!”

Quem são os principais compradores dos minérios extraídos?

“É impressionante que os principais compradores de ouro, já havia manifestado isso na resposta anterior, não são de Borba, nem dos interiores! Eles estão na grande metrópole! Esse caminho que é feito, como eu disse, é justamente isso. Entre os grandes compradores de ouro, estão os políticos, estão em parcela muito grande com relação a toda essa comercialização, exploração, essa facilidade, esse afrouxamento nas leis, essas permissões determinadas por eles! Deputados, governadores, vereadores e prefeitos! E por que não dizer um judiciário? Eles sabem que existe um código de preservação ao meio ambiente de um modo geral, e não atentam para isso! Então as próprias autoridades estão entre os que compram o ouro e ganham. Além de existir empresários específicos dessa área que vivem disso. Portanto é um pouco esse itinerário”.

No seu ponto de vista, o que deve ser feito para barrar essa problemática e quais políticas adotar?

“Para enfrentarmos essa problemática eu penso que reformular as leis de código Florestal, código de meio ambiente, todas as leis que trabalham com a da Natureza! Todos os códigos, direitos e deveres! A constituição de alguma forma onde se trata a questão do meio ambiente! Seria reformular no sentido de acrescentar mais cuidado com os lugares que são afetados pela mineração ilegal, pois ninguém se preocupa em fazer, o garimpo ilegal entra de forma brusca na vida dos ribeirinhos, indígenas, do rio, da Mata, vegetais e animais! E ninguém liga pra isso! Pois alia há vida! Ali tudo respira! Tudo tem uma conexão e  um sentido! 
E eu penso que para paralisar esse problema é preciso colocar mais rigidez nas leis ambientais! Então eu proponho uma reformulação nos códigos que deixam muita abertura. Se pararmos pra pensar, quem autoriza isso no estado? Os políticos! Eles que determinam: ‘Ah! Aqui no meu município pode!’. Não estão nem aí para a lei! Pois não existe uma lei clara e específica como falei na outra questão! É preciso! Um caminho é esse! E ter esse instrumeto de acesso a questão do meio ambiente dentro das escolas ribeirinhas, indígenas e quilombolas, como forma de educar e previnir as pessoas e a Natureza, pois como fala o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si: ‘Tudo está interligado’. Não podemos entender a mineração como alguns ribeirinhos pensam: ‘ Pode explorar aí! Não vai doer na gente mesmo!’. Sabemos que poucos não consciência da magnitude desse problema, isso por falta de conhecimento mesmo! Então, por isso que a enciclica que esse ano completa 5 anos é de uma luz de esperança, caminho e reflexão para a humanidade, e que nós temos como Igreja trabalhar mais isso em nossas catequeses. Eu falo de políticas públicas aqui, mas também falo de caminho de reflexão como Igreja! Isso é catequese! Quando se fala ao povo que o meio ambiente é vida! 
Não há um estudo naquela região sobre os impactos sociais, econômicos e até culturais quando se explora um minério! Deveria ter! Então quem são os ‘senhores feudais’ hoje? Os políticos de um modo geral! O prefeito local autoriza isso, e autoriza porque também faz parte, há uma combinação. 
Vejo que o Sínodo para a Amazônia veio reforçar a encíclica Laudato Si, veio trazer o cuidado com a questão ecológica! E nos precisamos pegar o ‘Querida Amazônia’ e fazer dele nosso livro de catequese e encontro com as comunidades ribeirinhas e indígenas que existem na calha do rio Madeira. A partir daí entra uma parcela muito grande da Rede Eclesia Pan-Amazônia (REPAM), do SARES, Casa Magis do SIMI e de outros órgãos que de fato trabalham, se preocupam e levam a rodas de conversas e reflexões junto a esses povos. Nossa última viagem missionária antes da Pandemia foi visando isso, foi uma coisa voltada a realidade ecológica e cultural do povo. Isso é vida! Uma evangelização que não humaniza, e não leva as pessoas a refletirem que estão sendo devastadas e destruídas, que evangelização é essa?!? De fato temos que buscar caminhos, e as políticas públicas que eu falei no âmbito da educação, é uma! Ter matéria específica ou disciplina que visão trabalhar a questão ecológica na escola, trazendo todo esse caminho traçado pelo Papa Francisco, Laudato Si e Querida Amazônia e da grande escuta aos povos feita para o Sínodo, foi uma resposta da Igreja a sociedade!
Antes de concluir, queria lembrar de uma situação que ocorre no distrito de Urucurituba no município de Autazes, onde a empresa Mais Potássio está se instalando para extrair outro minério que não é o ouro. Entretanto, a comunidade se mobilizou para tal coisa, para saber onde está os estudos sobre os prováveis impactos ambientais. Na comunidade indígena Murutinga no rio Mutuca também em Autazes, estão na luta e pedindo nossa ajuda como Igreja é sociedade! Tem outras comunidades em torno de nossa Prelazia que pedem socorro! A área indígena atrás de Nova Olinda é uma que é muito visada, e tem deputados e vereadores que querem aprovar um projeto que irá permitir a exploração nessa região!! Tem muitas área em nossa Prelazia que são visadas nesse sentido! Por isso penso que temos um caminho, e uma coisa que acho que é o caminho é colocar a informação na mão e na cabeça do povo.”