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Carta Pública em defesa da vida marca fim do Seminário Nacional do FMCJS

Por Comunicação do FMCJS

Reafirmamos o nosso compromisso de articulação, luta, informação e formação, denunciando qualquer prática que venha agravar a concentração de riquezas, o racismo, o machismo, a desigualdade social e as agressões aos direitos da Mãe Terra” – assim termina a Carta Pública do “Seminário Nacional do FMCJS – Avanços e Desafios durante e pós-pandemia” . O evento aconteceu de forma virtual, entre os dias 1 a 4 de dezembro, e reuniu 70 representantes de entidades que atuam em todas as regiões e biomas do Brasil.

Esperançar foi o verbo que marcou o evento, uma esperança que, segundo Paulo Freire, vem acompanhada da ação, a de se levantar para construir a realidade que se almeja. No caso do FMCJS, uma realidade inspirada no Bem Viver, com boas práticas “calcadas na sabedoria da ancestralidade e nas estratégias históricas de resistência dos povos das águas e das florestas, como forma capaz de alterar esta realidade rumo a uma nova convivência harmônica com a Terra e todos os seres vivos”.  Para Iremar Ferreira, membro do grupo executivo do FMCJS, o evento deixou como legado “o compromisso de continuarmos celebrando a vida, denunciando as violências e anunciando estes sinais de transformação social”.

Acolhida Mística

Um dos principais elogios à organização do evento foi a leveza com que ele foi conduzido. Para isso, a estratégia foi descentralizar as funções e dar respiros ao longo dos quatro dias de seminário com atrações culturais. A cada dia, os participantes se alternaram na mediação e sistematização dos debates e também nas “acolhidas místicas”, partilhas de música, poesia e reflexões que garantiam as pausas necessárias para levantar e manter a energia do grupo.

Mudanças Climáticas e o Brasil em 2020

Durante o seminário, especialmente, no segundo dia da programação, os participantes puderam refletir sobre o que o assessor convidado Alexandre Costa caracterizou como emergência climática. Segundo Costa, o tempo para enfrentarmos as causas das mudanças climáticas está diminuindo, precisamos cortar pela metade nossa emissão de gases de efeito estufa até 2030. Para isso, precisamos mudar radicalmente o sistema dominante, petroleiro, consumista e focado no agronegócio. “Precisamos de uma mudança sistêmica, profunda, alterar o próprio capitalismo”, alertou Marcos Arruda, outro palestrante da manhã do primeiro dia de debate. A emergência sanitária também foi ponto de pauta. Se, por um lado, a pandemia nos mostrou que é possível diminuir a nossa emissão e consumo, evidenciou, por outro, os riscos da nossa forma de vida de exploração desmedida do planeta, que favorece o surgimento de novos vírus e, consequentemente, novas pandemias.

Boas práticas

Ao longo do seminário, foi feito um levantamento e sistematização, nos diferentes biomas, de Boas Práticas que contribuem para o enfrenta­mento das causas das mudanças climáticas e contribuem para a construção de sociedades de bem viver. “Nestas boas práticas estão presentes a resistência, a desobediência àquilo que o sistema dominante diz que seria o lógico e também os caminhos e possibilidades”, afirmou Ivo Poletto, membro do grupo executivo do FMCJS.

Entre estas vivências, a carta pública destaca: “a luta pela reforma agrária; a prática da agroecologia, a agricultura urbana, a segurança e soberania alimentar, livre de agrotóxicos e transgênicos; o enfrentamento aos megaprojetos de morte trazidos pelo modelo de desenvolvimento atual; as dietas veganas, vegetarianas ou com drástica diminuição da proteína animal; o reconheci­mento e a valorização dos saberes e modos de vida dos povos e comunidades tradicionais; e a transição para energias renováveis, de menor impacto, justas e populares.”

Para Ana Maria de Jesus, representante do Centro-Oeste, a reflexão sobre diminuir o consumo da carne foi bem impactante, principalmente para a sua região, onde o Cerrado agoniza com o avanço da soja e da pecuária. “Também gostei muito das propostas da gente caminhar de forma conjunta, juntando o que tem em um estado e que tem nos outros”, afirmou Jesus sobre uma das propostas levantadas no seminário de articular as pessoas e comunidades que têm práticas do mesmo tipo em várias regiões brasileiras.

“Precisamos criar eixos de resistência, nos articular pelas lutas em comum”, sugeriu Rafaela Dorneles, do Rio de Janeiro. “Ao melhorar a comunicação dessas boas práticas, incentivamos as pessoas a entrarem neste caminho de construção de um outro tipo de sociedade, uma sociedade pós-capitalista”, ressaltou Poletto.

Atuação do FMCJS e avaliação do Seminário

“Saio com o sentimento que o FMCJS, neste ano de pandemia, cresceu, diversificou e amadureceu na sua forma de atuação enquanto Fórum.  Estamos aprendendo a trabalhar como rede e isso nos dá a sensação cada vez maior de que o Fórum SOMOS NÓS!”, resumiu Nahyda Franca, do Rio de Janeiro, ao falar sobre a atuação do FMCJS. Para a pesquisadora, além do aprendizado da atuação em rede, outro destaque foi a participação cada vez maior e mais qualificada das mulheres e das juventudes no encontro.

Para a maioria dos participantes, o FMCJS foi considerado “vitorioso” na realização do encontro nacional em um contexto tão desafiador. Apesar do modelo virtual não substituir os “fraternais encontros presenciais”, ele reduz a quantidade de combustíveis fósseis gastos com as viagens dos representantes, lembrou Iremar Ferreira, além de permitir uma maior participação. A rápida e eficiente resposta do Fórum frente às adversidades da pandemia também foi ressaltada no encontro, assim como a habilidade de aliar formação científica às lutas e saberes populares.

 “Tenho acompanhado o trabalho do Fórum há anos e digo que a cada ano ele se supera, anima, traz esperança. O Fórum aponta caminhos, reacende, e nos leva cada vez mais a manter a esperança viva e ativa”, reforça César Nóbrega, da Paraíba. Para muitos, é notável o amadurecimento do FMCJS, constituindo-se como um relevante instrumento para a confluência de lutas em defesa da nossa Casa Comum.

Uma das demandas surgidas no encontro foi a de ampliar a comunicação entre o Pantanal e as demais regiões. “Não fizemos um debate mais profundo sobre o Pantanal, temos que criar um dia de luta em defesa deste bioma, chamar a atenção para esta região”, propôs Célio Maranhão, da Bahia. No campo da articulação, identificou-se a necessidade de aumentar a frequência dos encontros nacionais e entre a assessoria e os núcleos regionais, além de ampliar a participação das comunidades tradicionais e aprofundar a articulação do Fórum com redes globais.

“A grande relevância desse momento foi que, mesmo que por janelinhas virtuais, conseguimos realizar um encontro muito rico, de trocas culturais, e isso permitiu que pudéssemos reunir informações dos desafios que estamos enfrentando em cada um dos biomas, principalmente frente a trágica atuação do governo brasileiro”, conclui Ferreira.

Formação Continuada

A qualidade dos conteúdos do processo de Formação Continuada e Multiplicadora ofertado pelo FMCJS foi muito elogiada durante o seminário, e alguns membros sugeriram abordar temas específicos por região, uma espécie de “trilha aberta”, como definiu Marcos Arruda. O Grupo de Trabalho do Sudeste destacou seu propósito de contribuir com o processo de formação do FMCJS no que diz respeito a um módulo específico sobre Como as Comunidades Tradicionais do País pensam, vivenciam e lidam com as mudanças climáticas em seus diferentes territórios. Alguns participantes também sugeriram a abordagem dos impactos das mudanças climáticas no cotidiano das pessoas que vivem nos grandes centros urbanos.

Planejamento para 2021 e encaminhamentos

Na manhã do último dia (4), os participantes definiram as prioridades temáticas para o ano de 2021 e para o processo de formação continuada e multiplicadora. O tema dos Direitos da natureza, a Mãe Terra, foi destacado como um guarda-chuva para as ações nacionais e locais do Fórum no próximo ano. Outro tema prioritário foi a questão das águas, a ser trabalhado de forma transversal, englobando-se suas dimensões de acesso, direitos e preservação.  A importância de se trabalhar as práticas de convivência com os biomas, ressaltando a relevância da Amazônia para todos os biomas brasileiros, foi lembrada pelos representantes das cinco regiões.

A decisão de manter a prática de esperançar tem como base “a rica e diversa gama de boas práticas de enfrentamento das mudanças climáticas, inspiradas na filosofia do Bem Viver”. Não se trata de decisão fácil, já que os participantes denunciaram as práticas empresariais e governamentais que destroem o ambiente favorável à vida, e a experiência da vida e os conhecimentos científicos deixam claro que nossa Casa Comum está perto de um colapso socioambiental.

“Foi com sentimento de urgência que os membros presentes no seminário decidiram dar continuidade aos trabalhos do Fórum, avançando na busca do reconhecimento dos direitos da Mãe Terra e dos seus filhos e filhas e no cuidado das relações que ela criou entre os biomas do nosso país. Continuemos unidos e aumentando essa união, pois essa é a melhor forma de lutarmos pela vida”, concluiu Ivo Poletto, ao encerrar, no dia 4 de dezembro, o encontro.

Confira aqui a Carta Pública do Seminário Nacional do FMCJS: