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CAATINGA NOSSA DE CADA DIA: TRANSFORMAÇÕES DA PAISAGEM NATURAL E NA VIDA DA COMUNIDADE URUÇU, GURINHÉM/PB.

A comunidade Uruçu é uma das comunidades rurais que íntegra o município de Gurinhém, localizada na macrorregião do Agreste Paraibano, situada a aproximadamente 3 km da BR 230 e a 23 km da sede do município. Uma região terrenos baixios, planos rodeados de serras, o que proporciona a comunidade uma paisagem natural encantadora para quem nela vive e aos seus visitantes, e que também vive encurralada por grandes latifúndios que impossibilitam o fortalecimento e a valorização da agricultura familiar.

Começou a ser povoado no início do século XIX, por uma única família, a do Sr. Manoel da Silva, que casou-se por duas vezes, tendo vários filhos dos dois casamentos. Após seu falecimento a terra foi dividida entre os herdeiros, transformando a área em pequenas propriedades, as quais com o passar do tempo foram vendidas para outros habitantes de outras comunidades do entorno, que começaram a migrar para a comunidade.

Com isso a comunidade começa crescer o seu índice populacional (com o surgimento das famílias Arruda, Ferreira, Generoso, Carneiro, Sousa, Calvacante, Lima e outros), ás margens do riacho que corta a comunidade, “Chorona” (que por muitos anos abasteceu a população com suas águas e peixes para alimentação), e consequentemente a exploração dos seus recursos ambientais, pela exploração de madeira e pelo desenvolvimento da agropecuária. Atualmente com uma população de mais de 1.200 habitantes, distribuída em 220 famílias.

Conforme relato dos antigos moradores a comunidade recebeu o nome de “Sítio Uruçu” por causa da presença na mata nativa em toda sua área  de habitat natural de várias espécies de abelhas nativas, principalmente da abelha uruçu. Ali é muito comum as casas das famílias terem pelo ao menos uma colmeia de abelha nos seus quintais. Com o passar dos anos os proprietários das terras foram desmatando as suas áreas com dois objetivos principais: a venda da madeira para a fabricação de carvão e o plantio do sisal. Além disso, os próprios moradores necessitavam da madeira da floresta para construção das suas casas e como fonte de energia para alimentar os seus fogões de lenha.

As atividades produtivas desenvolvidas pela população local são baseadas na agricultura familiar através do cultivo do milho, fava, feijão, batata doce, e por muitos anos o cultivo do algodão, quando as áreas de baixios que estão de posse dos fazendeiros eram alugadas aos agricultores. Totalmente cercada por fazendas, esta comunidade vem passando por grandes dificuldades para ter acesso a terras para o cultivo, há alguns anos atrás ainda era possível o arrendamento das áreas planas em troca de serviço, ou seja, o uso da terra era permitido em contrapartida ao desmatamento das áreas ocupadas ou pelo pagamento de um foro no valor R$ 100,00 por ha na ocupação e outra parcela de igual valor na devolução da área ao proprietário. O período de aluguel da terra geralmente era de um ano; após este tempo os fazendeiros/proprietários retomavam as áreas para plantio de capim e criação de gado.

Nos últimos 15 anos esse tipo de negociação não é mais possível, entre agricultores/as e fazendeiros, o que nos últimos anos tem tornado ainda mais difícil e sacrificante o trabalho dos agricultores e agricultoras da comunidade, que por sua vez obriga algumas famílias a cultivar suas lavouras em cima das serras, enquanto outras foram buscar outras fontes de trabalho nos grandes centros urbanos tanto dentro do estado, quanto na região Sudeste do país, principalmente no setor da construção (no caso dos homens) e do trabalho doméstico (no caso das mulheres), uma realidade que tem sido cada vez mais presente, sobretudo para a juventude local.

Com o passar dos anos e o aumento gradual e progressivo do desmatamento, inclusive das matas ciliares, o riacho da comunidade reduziu a oferta de água e tornou-se temporário, apresentando vazão apenas nos períodos chuvosos do ano, tendo, pois, reflexo direto na oferta de água para a comunidade, além da deterioração constante dos solos cultiváveis, uma vez que os mesmos encontram-se cada vez mais descobertos e desprotegidos, tornando-os vulneráveis a processos erosivos, ocasionados pela ação do vento e das águas das chuvas.

“… isso aqui tudo, até lá na pista, era uma mata só, uma riqueza, tinha muita água nesse riacho o ano todo, muito curimatã que o povo pescava pra comer … nas matas todo tipo de bicho tinha … muito mocó, preá, arribaçã, juriti, rolinha, tatu … aqui em casa mesmo, a mistura era caça… hoje em dia o homem acabou com tudo, com as matas, os bichos tem muito pouco, o riacho da chorona só tem água quando chove, e as abelhas acabou-se faz tempo…” (depoimento do Agricultor aposentado Manoel Marques).

Atualmente, a água para suprimento da população vem de 120 cisternas individuais (destinadas exclusivamente para beber e cozinhar), e para as outras atividades domésticas e produtivas vem de pequenos açudes pertencente a algumas propriedades privadas (que permite o acesso da população ao manancial), dois poços de água salobra e 10 cisternas em enxurradas, quando a situação torna-se critica durante os períodos de prolongadas estiagens, a água vem de caminhões pipas fornecidos pelos governos municipal para abastecimento da escola.

O direito ao acesso a água potável por meio das tecnologias sociais de captação da água da chuva, assim como outros conquistados ao longo do tempo é fruto da organização coletiva da comunidade através da Associação de Desenvolvimento Comunitário dos Produtores Rurais de Uruçu, existente desde 2001 que atua na busca e implementação de políticas públicas necessárias para a promoção de qualidade de vida no campo, sobretudo na construção de parcerias da esfera pública e da sociedade civil organizada que contribuam no acesso aos direitos humanos essenciais a promoção da vida com dignidade, no fortalecimento e valorização da agricultura familiar.

Nesses 17 anos de existência a associação constituiu uma rede parcerias de nível local a nacional, envolvendo outras associações, escola, sindicatos, órgãos públicos, pastorais sociais, igrejas, universidades, entre outras. Parcerias estas que tem contribuído diretamente nos processos formativos e produtivos mais sustentáveis da comunidade, no acesso as tecnologias de informação e comunicação, no fortalecimento de uma educação do campo contextualizada, e consequentemente na mudança de comportamento da população nas suas relações com o meio ambiente, ao estimular outros olhares e outras práticas de se viver em comunidade, de maneira mais justa e solidária, em harmonia com a Natureza.

  Nesse sentido, no ano 2007 a associação junto às suas parcerias e a escola local identificaram uma série demandas prioritárias necessárias para a transformação social e ambiental da vida na comunidade, sendo:

1 – Sensibilização dos estudantes e de outros membros da comunidade para a necessidade de se usar a água de maneira racional; 2 – Recuperação das matas ciliares; 3 – Tratamento adequado para os resíduos sólidos gerados pela população e que poluem a água e o solo da região; 4 – Combate a pratica das queimadas na “limpeza” de solos agrícolas; 5 – Incentivo ao plantio de árvores nativas e combate à derrubada de árvores; 6 – Estímulo à participação de outros segmentos da comunidade nestas atividades; 7 – Inclusão de temas relacionados ao uso racional da água junto às disciplinas do parâmetro curricular obrigatório da escola; 8- Implementação de atividades de turismo rural de base comunitária.

Demandas estas que foram sendo construídas coletivamente envolvendo os diversos atores sociais locais e em constante diálogo com as instituições e organizações pertinentes, dentre elas, destacamos os projetos de Tratamento e Monitoramento dos Resíduos Sólidos da Comunidade, que resultou em atividades sócio-educativas, em grande mutirão de limpeza de todas as áreas da comunidade (com a participação de toda a comunidade escolar, moradores, e agentes de saúde), no qual foi coletado mais de 3 toneladas de resíduos; e também na coleta regular dos resíduos gerados pela Prefeitura Municipal que permanece até hoje.

O projeto de Reflorestamento das área da principal nascente de água da comunidade, que além das atividades educacionais junto a escola, resultou no plantio de mais 2 mil mudas na cabeceira da nascente até as margens do Riacho da Chorona, porém o mesmo não teve continuidade devido aos custos elevados de um processo de reflorestamento de áreas degradadas, além da área pertencer a propriedade privada, o que de certa forma inviabiliza possíveis articulações necessárias para a continuação da ação. De qualquer modo compreende-se a ação como positiva, principalmente por ter possibilitado reflexões extremamente necessárias para o contexto da vida da comunidade, de se perceber como co-responsáveis sobre aos aspectos ambientais e sociais, sobretudo no que se refere ao cuidado com os mananciais hídricos tão necessários para a manutenção da vida em todas as suas formas.

E por fim o projeto de turismo rural, que iniciou suas atividades no ano 2009, com a realização da Caminhada na Natureza – Circuito Uruçu e Serra do Catolé, realizada por um grupo de jovens da comunidade, com o objetivo de promover a interação com a vida em todas as suas formas, que possibilite a oportunidade de ver, ouvir e sentir a Mãe Terra e suas interações tão essenciais ao bem viver, a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Além de possibilitar reflexões sobre o nosso modo de vida, os padrões de consumo que temos adquirido ao longo do tempo, e como estes afetam a saúde da Mãe Natureza e das populações que estão à margem de uma parcela da sociedade privilegiada. A atividade acontece uma vez por ano, sempre no mês de junho, período do ano que as paisagens naturais encontram-se mais afloradas e belas e também por já está se iniciando as colheitas da produção dos agricultores/as.

Contribuição enviada pela multiplicanda Maria Amelia da Silva, da Paraíba, para o Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social