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ÁGUA, UMA GUERRA QUE SE APROXIMA

(Cachoeira Sete Quedas no Rio Teles Pires)

A água tem sido um dos recursos naturais mais procurados e disputados em todo o globo, seja por sua relativa escassez, seja por apropriação privada por grandes grupos transnacionais. Dessa forma, vemos um grande aumento dos conflitos por água no país nos últimos anos, como nos mostra os recentes dados lançados no Caderno de Conflitos da Comissão Pastoral da Terra de 2016.

A água é um bem estratégico, tanto para consumo humano como para atividades industriais, agrícolas, minerarias e para a produção de eletricidade, somente para citar algumas atividades humanas. Desse modo, controlar esse bem e torná-lo mercadoria é o desejo das grandes empresas transnacionais.

As hidrelétricas têm se tornado uma das maneiras bastante sutis de apropriação dos rios. As responsáveis por essas obras, além de ganharem lucros exorbitantes com a produção de energia elétrica, têm o poder de controlar o lago e, por conseguinte, a vazão do rio, ou seja,  aquilo que pertencia a todo povo brasileiro e corria livremente, agora é controlado e apropriado segundo interesses de grupos econômicos que, em sua maioria, são estrangeiros.

A região norte do estado de Mato Grosso, especificamente na região Teles Pires, tem sido palco de grandes conflitos devido a esses empreendimentos hidrelétricos. Dos quais, quatro estão em construção e tem impactado diretamente populações indígenas, ribeirinhos, pescadores e assentados.

Complexo hidrelétrico Teles Pires: seis usinas e um rio

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O Complexo Teles Pires é um complexo hidrelétrico no Rio Teles Pires em Mato Grosso, composto por 6 usinas: (UHE Teles Pires), em construção, (UHE São ManoelUHE Sinop), Usina Hidrelétrica de Colíder (342 MW), Usina Hidrelétrica de Magessi (53 MW) e Usina Hidrelétrica de Foz do Apiacás no rio Apiacás (275 MW). Concretizado, poderá se transformar, em menos de cinquenta anos, num fóssil jovem em meio a um deserto induzido no coração da Amazônia.

O rio Teles Pires está nos planos governamentais desde os anos 1980 quando foi feito o inventário da bacia hidrográfica.  Do projeto inicial que permaneceu esquecido até 2001, já constavam os seis aproveitamentos hidrelétricos.  Em 2005 um consórcio formado pelas estatais  Eletrobrás, Furnas e Eletronorte resolveu desengavetá-lo e manter os planos para as seis hidrelétricas, das quais cinco seriam no rio Teles Pires e uma na foz do rio Apiacás, um de seus afluentes.

Apesar da proposta de se construir cinco usinas  no rio Teles Pires, não foram realizados  estudos dos impactos sinérgicos na região. Um Estudo de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da hidrelétrica Teles Pires foi aceito em outubro de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).  As audiências públicas foram marcadas e  foram objeto de questionamento por parte do Ministério Público.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem como prática, nos processos de licenciamento de hidrelétricas na Amazônia, muita pressa em obter as licenças ambientais.  Na análise do EIA da usina de Teles Pires é possível ter uma idéia do tamanho do problema que afetará duramente a região situada no trecho onde começa uma seqüência de cachoeiras chamadas Sete Quedas,  no baixo curso do rio Teles Pires. Geograficamente essa usina seria construída exatamente na divisa entre dois grandes municípios em dois estados: Jacareacanga, no Pará e Paranaíta, no Mato Grosso.

O reservatório está planejado para alagar 70 quilômentros ao longo do rio Teles Pires. A primeira metade, a montante (rio acima) da barragem, ocuparia um trecho mais estreito do rio engolindo suas vertentes, transpondo  um declive acentuado e lindamente encachoeirado. Na outra metade, o leito é espraiado,  pontilhado de  muitas ilhas e bancos de areia. Se o projeto for viabilizado toda essa riqueza natural ficará submersa.

A usina de Teles Pires, no entanto, não chegaria aos 50 anos de vida útil, se for levado em conta  o agravamento das características hidrológicas da região. As mudanças climáticas, os períodos cada vez mais intensos de regimes de cheias e vazantes, o aumento do aporte de sedimentos devido à ocupação da montante (rio acima em direção às nascentes), poderiam reduzir ainda mais o tempo de geração comercial da usina.  Esse projeto anacrônico, se concretizado, poderá se transformar, em menos de cinquenta anos, num fóssil jovem em meio a um deserto induzido no coração da Amazônia.

No projeto de barramento do rio Teles Pires está prevista a construção de três eclusas que, segundo os estudos ambientais, viabilizaria uma hidrovia no trecho que vai do município de Sinop até a foz do Teles Pires no rio Tapajós.  Então, os “obstáculos” naturais  formados no  trecho encachoeirado das Sete Quedas, imediatamente a jusante da barragem da usina de Teles Pires, teriam que ser removidos, coisa que não está explicada no EIA.

A única forma possível de viabilizar a navegação no trecho encaichoeirado das Sete Quedas seria, é óbvio, criar outra usina com um reservatório para deixar submersos e transpor os “obstáculos”, que alcançaria a barragem de Teles Pires e justificaria  a construção das três eclusas planejadas. Esse projeto está, sutilmente, sendo licenciado pelo Ibama, mas sem nenhum alarde:  é a hidrelétrica São Manoel, cuja barragem ficaria cerca de 40 quilômetros a jusante (rio abaixo) da barragem da UHE Teles Pires.

O plano de concretizar o corredor de transportes representado pelo projeto da  Hidrovia Tapajós-Teles Pires teria o objetivo de escoar os  grãos produzidos na região norte do estado de Mato Grosso. Antes, porém, seria preciso tornar navegável o trecho encachoeirado  do rio Teles Pires até a foz do rio Apiacás, destruindo as ilhas e as Sete Quedas.

Mas esses planos não param por aí. Na mesma região onde está planejada a hidrelétrica São Manoel no limite da foz do rio Apiacás no Teles Pires, outra usina, a de Foz do Apiacás, também está sendo licenciada. O mais surpreendente  é que foi elaborado um único estudo do componente indígena para as duas usinas – São Manoel e Foz do Apiacás –  com a justificativa de  que elas estariam praticamente juntas! Essa informação está explícita nos estudos do processo de licenciamento da hidrelétrica  São Manoel, que tramita simultaneamente aos outros. Para os desenvolvedores dos estudos permanece a certeza de que usinas em sequência – duas no rio Teles Pires e outra na foz do rio dos Apiacás  – na mesma bacia hidrográfica não merecem estudos separados  do componente indígena.  A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) se manifestou quanto a essa arbitrariedade?

As hidrelétricas  São Manoel e Foz do Apiacás  estão imediatamente a jusante, exatamente no limite da  divisa da Terra Indígena (TI) Kayabi, que  foi considerada nos estudos como  Área de Influência Indireta (AII). As empresas que elaboraram o EIA – Leme Engenharia da Tractebel/GDF Suez e Concremat – de Teles Pires tomaram a iniciativa de considerar que os  impactos decorrentes da construção dessas usinas, além de não afetarem diretamente a TI Kayabi, também não atingiriam duas Unidades de Conservação – a Reserva Estadual de pesca Esportiva, no Pará e o Parque Estadual do Cristalino, em Mato Grosso.

Além da TI Kayabi, a TI Munduruku, mais a jusante, também seria afetada pelas usinas Teles Pires, São Manoel e  Foz do Apiacás, assim como 16 importantes sítios arqueológicos.  Os municípios de Jacareacanga (PA), Paranaíta (MT) e Alta Floresta (MT) foram considerados  como  Área de Influência Indireta (AII).

Outro dado importante se refere à logística pensada para transporte de veículos, materiais, trabalhadores  e equipamentos  para esse lugar remoto da Amazônia, entre os estados do Pará e Mato Grosso. Teriam que ser percorridos cerca de mil e cem quilômetros desde Cuiabá, dos quais mais 600 através da BR 163, e o resto por vias sem qualquer possibilidade de acesso razoável.

Uma das informações dos estudos ambientais que causa um verdadeiro horror é que 40 mil pessoas migrariam para a região no pico das obras, apenas da usina Teles Pires. Esse contingente representaria outra hecatombe, pois o município de Alta Floresta (MT) tem 37 mil habitantes e o baixo curso do Teles Pires tem 180 mil habitantes.

No município de Jacareacanga (PA), 59% são terras indígenas.  A área rural que seria afetada pela usina de Teles Pires tem 66 mil quilômetros quadrados, 20 mil habitantes, é de difícil acesso, com vegetação nativa e é ocupada  por terras indígenas.  O sistema de transmissão da energia desse complexo hidrelétrico está previsto para ter cerca de mil quilômetros e um corredor de 20 quilômetros de largura.

As empresas que elaboraram os estudos ambientais  das hidrelétricas Teles Pires e São Manoel, consideraram também que a proximidade entre elas (distância entre eixos de aproximadamente 40 km) permitiria o mesmo diagnóstico para o meio socioeconômico, com  os mesmos elementos. A EPE já está distribuindo na região o RIMA de Teles Pires e o Estudo do Componente Indígena das hidrelétricas São Manoel e Foz do Apiacás para marcar as audiências públicas. Isso quer dizer que a EPE e o Ibama podem estar  trabalhando com a estratégia  de  realizar audiências públicas para os três aproveitamentos;  mas o EIA/RIMA aceito pelo Ibama, até agora, diz respeito  apenas à hidrelétrica Teles Pires e não às outras duas.

A Área de Abrangência Regional (AAR) objeto dos estudos da usina Teles Pires compreende 33 municípios no estado de Mato Grosso com um conjunto de estabelecimentos rurais e área de assentamento e dois dos maiores municípios do estado do Pará.

Para o Governo Federal, a construção de todo esse aparato hidrelétrico é necessária para atender o aumento do consumo de energia na região Norte devido à instalação de novas indústrias eletrointensivas ligadas à mineração. Esse consumo, segundo dados do EIA do projeto Teles Pires, teria crescido de 6,3% para 8,6%.

Está previsto para os próximos 25 anos, segundo o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, o incremento de mais 88 mil MW de geração com hidrelétricas e de apenas quatro mil MW em geração eólica. Essa previsão tem como base apenas dados de crescimento de consumo e do déficit previsto para o Sudeste/Nordeste/ Centro-Oeste, Mato Grosso e Sul do Pará. Aí cabe perguntar sobre quais os critérios que subsidiaram o planejamento da Oferta Interna de Energia.

Já passou da hora de começar a discutir claramente o destino de toda essa energia planejada para os próximos 25 anos; de reivindicar incentivos para o desenvolvimento em escala econômica viável, de fontes realmente renováveis  e limpas, como a eólica e a solar; de exigir programas de eficiência energética como rotina e acabar com as perdas nos sistemas de transmissão e distribuição.

O EIA/RIMA da hidrelétrica Teles Pires foi aceito pelo Ibama e audiências públicas são apenas mais uma praxe para legitimar todo o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos na Amazônia. Na verdade, se pretende mesmo é “enfiar goela abaixo” da sociedade três novas hidrelétricas na Amazônia e mais de cem outras planejadas para o Mato Grosso.

As comunidades da região, os povos indígenas, mesmo sem serem ouvidos, já estão sendo afetados apenas com o anúncio da possibilidade da construção dos projetos. A migração já está começando. Ao longo do reservatório de 70 quilômetros da hidrelétrica  Teles Pires, estão situados grandes latifúndios voltados para a pecuária e plantação de grãos em plena Amazônia Legal. Há alguma relação entre esses grandes proprietários de terras e o projeto? E a questão das reservas de ouro? Atualmente estão em curso 37 processos minerários de ouro na Área Diretamente Afetada (ADA) pela usina Teles Pires e três processos minerários para zinco, requeridos pela Votorantim, todos de 2009 – seria coincidência?

As usinas de Teles Pires e São Manoel tiveram os licenciamentos liberados pelo Ibama, por ser região de divida entre Mato Grosso e Pará. Já a de Colíder e a de Sinop foram autorizados pela secretaria estadual de Meio Ambiente (Sema).

A superintendente de Infraestrutura, Mineração, Indústria e Serviço da Sema, Lilian Ferreira, explica que os estudos foram feitos primeiramente pela empresa de pesquisa energética do governo federal, depois é feito um estudo de impacto de cada uma das usinas, sendo a unidade estadual responsável pelas usinas de Colíder e Sinop. “No início identifica-se todos os impactos que vão ocorrer e o empreendedor propõe as medidas que para diminuir impactos e aqueles que não têm como ser reduzidos são feitas medidas compensatórias”.

Lilian ressalta que é feito o acompanhamento desde a instalação e operação da usina. Assegura que apesar da quantidade de usinas instaladas no leito do Rio Teles Pires, não existe o risco de secar, nem mesmo em longo prazo. Entretanto, não se descarta a extinção de algumas espécies tanto da fauna quanto da flora.

Quando os projetos passam pelo Consema, a maioria dos Conselheiros e Conselheiras votam a favor do EIA/RIMA (setor governo e empresários). A sociedade civil, representada por 8 instituições e que defendem os direitos dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pequenos agricultores, retireiros e outros grupos vulneráveis, se vê muitas vezes derrotada por ser minoria neste espaço que deveria ser paritário, mas que é compactuado com o governo e o setor empresarial e ruralista. Dessa forma, todas as riquezas da terra estão sendo entregues às multinacionais e a água, sendo o bem mais precioso pode gerar uma outra grande guerra. Um bem que é para todos está sendo de alguns poucos espertos e espertalhões. Eu fico com seguinte pergunta para concluir esta matéria: Sem água, o que poderá continuar existindo? O boi vive sem água? A soja, o milho, o algodão, o girassol…vivem sem água? Quando todos os rios secarem, a chuva não cair mais e os aqüíferos e lençóis freáticos esgotarem, beberemos dinheiro, ouro e minérios?

O que nós estamos fazendo para mudar esse futuro catastrófico e triste? Pensamos nós que sobreviveremos sem água?

Sandra Regina Duarte

Estagiária do CIMI e participante do FMCJS E FDHT

Cuiabá, 05 de novembro de 2017

Sandra Regina é multiplicanda do Processo de Formação Continuada  e Multiplicadora do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social

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