Deus fez a parte dele, agora é com o governo
Dois grandes fantasmas rondam o governo federal em razão da lembrança da crise elétrica de 2001: o de novos apagões e o do racionamento do consumo. Com a queda do fornecimento de eletricidade que atingiu dez Estados e o Distrito Federal na semana passada, o primeiro espectro virou realidade. A dúvida é saber até quando o governo negará a necessidade do segundo.
A crise elétrica enfrentada hoje não deveria surpreender mais do que a apática resposta do governo. Os reservatórios das hidrelétricas, principais fornecedoras de eletricidade ao país, estão baixos em relação a seus níveis médios desde 2012.
Esse fato deveria ter servido de alerta para que o governo incentivasse a redução do consumo de energia e iniciasse uma busca por outras soluções de gestão, para além do acionamento das termelétricas. Diversificação e descentralização de sua matriz, investindo mais em fontes renováveis, são medidas que já deveriam ter sido adotadas.
Elas teriam permitido, por exemplo, minimizar os riscos de um apagão, pois a produção de energia mais próxima aos centros consumidores reduziria os problemas com o transporte de energia do Norte e Nordeste até o Sudeste do país. Além disso, o pico de produção de eletricidade dessas fontes, sobretudo a solar, coincide com o atual pico de consumo de energia, entre 12h e 15h, equalizando o consumo e a oferta.
O governo, no entanto, seguiu cego e surdo às críticas e à realidade da escassez de recursos hídricos. Mas quem está no comando do país não pode se valer da ignorância ou balizar suas ações na fé de que, por ser brasileiro, Deus vai ajudar a encher os reservatórios.
O governo precisa assumir sua responsabilidade, estimulando a redução do consumo de eletricidade para poupar os reservatórios. Também pode alternar os horários de funcionamento de algumas indústrias e adotar medidas de eficiência energética, como a troca de equipamentos por tecnologia mais moderna.
Na prática, o controle do consumo já existe. Ele tem sido mascarado na forma de aumentos constantes na conta de luz que obrigam o cidadão a reduzir seu consumo. Essa política, porém, não é eficaz e acaba punindo, como sempre, o consumidor com menor poder aquisitivo.
Após uma série frustrada de medidas e declarações –da redução da tarifa de eletricidade em 2012 ao uso indiscriminado de térmicas para maquiar a crise–, o governo poderia mostrar que aprendeu com o passado e que, desta vez, a gestão da crise do setor elétrico será acompanhada de investimentos em outras fontes de energias renováveis.
Energia eólica e biomassa têm as condições de substituir as térmicas na regulação dos reservatórios das hidrelétricas e a fonte solar é a solução perfeita para atender aos picos de demanda de verão, que se tornarão cada vez maiores. É disso que o setor precisa. Até porque, ao nos abençoar com tanto vento e luz solar, Deus já fez a sua parte.
BÁRBARA RUBIM, 25, coordenadora de campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil
Folha de São Paulo – Tendências/Debates