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Vento e sol mudam panorama energético

JUSTIN GILLIS
DO “NEW YORK TIMES”,
EM HELIGOLAND, ALEMANHA

23/09/2014

Poucos países desenvolvidos se empenham mais que a Alemanha para descobrir soluções para o aquecimento global. Atualmente, símbolos altaneiros desse empenho estão surgindo no meio do mar do Norte.

Situadas a 95 quilômetros do continente, turbinas eólicas da altura de edifícios de 60 andares têm preço unitário de US$ 30 milhões (R$ 70,5 milhões).

Até o final do ano, um grande número de novas turbinas enviará energia elétrica de baixa emissão de poluentes para cidades alemãs a centenas de quilômetros de distância, no sul. As turbinas integram a ambiciosa tentativa da Alemanha de refazer seu sistema de energia elétrica, um projeto que vem gerando resultados surpreendentes: em breve, 30% da energia elétrica do país vêm de fontes renováveis.

Muitos países menores superam a marca, mas a Alemanha é a maior potência a atingir esse nível, que é mais que o dobro da porcentagem dos EUA.

A aposta alemã em energia renovável também tem implicações muito além de suas fronteiras. Ao criar uma enorme demanda por turbinas eólicas e painéis solares, o país atraiu fabricantes chineses para o mercado, o que reduz os custos com uma velocidade impensável há poucos anos.

Executivos de companhias de eletricidade em todo o mundo estão vendo tecnologias antes consideradas irrelevantes começarem a ameaçar seus planos de negócios há muito consolidados.

Conflitos estão surgindo nos EUA em relação às futuras regras da energia renovável. Muitos países pobres, que antes pretendiam construir usinas elétricas a carvão para suprir suas populações, estão analisando se é possível saltar a etapa dos combustíveis fósseis e partir direto para a construção de sistemas energéticos limpos.

Já existe uma avaliação clara das consequências disso na Alemanha: as mudanças devastaram suas companhias públicas de eletricidade, cujos lucros com energia despencaram.

Um padrão semelhante pode ser observado em outros lugares. Alguns estados americanos, impacientes com a morosidade em Washington, estabeleceram suas próprias metas para obter 20% ou 30% de energia renovável até 2020.

O plano de transição energética na Alemanha se chama “energiewende”. O país é apontado mundialmente como um exemplo de que é possível transformar o sistema global de energia.

Especialistas dizem que o setor de energia elétrica está entrando em um período de turbulência sem precedentes em 130 anos, um abalo comparável ao sofrido nos últimos anos por companhias aéreas, a indústria fonográfica e a telefonia.

A potencial contrapartida é formidável: um sistema de energia elétrica mais ecológico, com menos poluição. Não se sabe ainda se o sistema pode ser alterado com rapidez suficiente para reverter os perigosos níveis atuais do aquecimento global.

“Tenho certeza de que o vento e o sol serão as principais fontes de energia, não só na Alemanha, mas no mundo inteiro”, afirmou Patrick Graichen, que dirige o centro Agora Energiewende. “A questão é como assegurar que essa transição se transforme em uma história de sucesso.”

A Alemanha gastou mais de US$ 140 bilhões (R$ 329 bilhões) em seu programa, oferecendo vantagens para os que quisessem instalar painéis solares, turbinas eólicas, usinas de biogás e outras fontes renováveis de energia.

O plano é financiado por meio de sobretaxas nas contas de energia elétrica, as quais geralmente são de cerca de US$ 280 (R$ 658) por ano para uma família alemã típica. Parte disso tem sido compensado com fontes renováveis, que reduziram os preços da energia elétrica no atacado.

O programa gerou imensas economias de escala, com a venda global de painéis solares dobrando a cada 21 meses ao longo da década passada, e os preços tendo queda de cerca de 20% a cada período desses.

“Os alemães não estão comprando energia, e sim quedas de preço”, disse Hal Harvey, que dirige um centro de pesquisa sobre energia em San Francisco (EUA).

Essas oscilações fizeram alguns fabricantes de painéis americanos abandonarem o ramo, queixando-se dos subsídios do governo chinês para seus fabricantes, que se apoderaram de grandes fatias do mercado.

Todavia, o declínio também abriu uma oportunidade para proprietários de residências e empresas americanas como a Lennar, a segunda maior construtora residencial do país. Em cem loteamentos na Califórnia, quem compra uma casa nova ganha painéis solares no telhado.

A Lennar continua sendo proprietária dos painéis e faz contratos de 20 anos para vender aos donos das casas a energia gerada em seus telhados, dando um desconto de 20% em relação aos preços da companhia de eletricidade.

“A ideia é muito simples. Basta dizer ao cliente que, com isso, ele fará uma grande economia”, disse David J. Kaiserman, da Lennar.

Após quedas drásticas nos últimos anos, o preço da energia agora é competitivo em relação ao custo de usinas elétricas a carvão em algumas regiões dos EUA.

A queda no custo da energia renovável é um problema em potencial para empresas elétricas. Elas lucram muito nas horas do dia com maior demanda de energia, impondo preços altos. A energia solar pode ser particularmente prejudicial para essas empresas, pois reduz os preços no atacado durante os períodos de pico.

Embora esteja se expandindo rapidamente, a energia solar ainda equivale a menos de 1% da energia gerada nos EUA.

Algumas companhias públicas de eletricidade começaram a atacar as diretrizes que estimulam os painéis, ao passo que outras entram no mercado de energia solar.

Empresas novatas com rápido crescimento oferecem aluguel de painéis solares para proprietários de residências, com financiamento bancário. O epicentro desse movimento é a Califórnia, cuja meta é contar com 33% de energia renovável até 2020.

Na Alemanha, onde os painéis solares suprem 7% do consumo de energia e as turbinas eólicas, cerca de 10%, os preços da energia no atacado despencaram nas horas mais rentáveis do dia.

“Demoramos para entrar no mercado de energias renováveis e agora talvez seja tarde demais”, disse nesta primavera Peter Terium, diretor-executivo da megacompanhia pública RWE, quando anunciou um prejuízo anual de US$ 3,8 bilhões (R$ 8,9 bilhões).

As grandes empresas de eletricidade alemãs têm sido obrigadas a modular rapidamente a produção em suas usinas elétricas convencionais para compensar a energia renovável intermitente.

Como as usinas não são necessariamente lucrativas quando operadas dessa maneira, essas companhias ameaçam fechar algumas unidades que, segundo analistas, são necessárias como reserva emergencial para o país.

Outro componente que complica a situação é a determinação do governo a acabar com as usinas nucleares alemãs em dez anos.

À medida que o plano progride e elimina uma fonte de energia com baixa emissão de poluentes, a redução dos gases de efeito estufa na Alemanha chegou a um impasse.

Os problemas cresceram com tamanha rapidez que o governo tenta desacelerar a transição, o que não é bem aceita pela opinião pública.

Há poucos dias, enquanto participava de uma passeata com milhares de manifestantes em uma rua de Berlim, Reinhard Christiansen, diretor de uma pequena empresa especializada em energia renovável na cidade de Ellhöft, disse: “Nosso temor é que o governo esteja tentando frear a transição energética”.

Especialistas dizem que as novas regras do mercado poderiam manter os custos em um patamar razoável. Algumas inovações recomendadas por eles já foram adotadas em parte.

Desenvolvidas nos EUA e sob estudo na Alemanha, elas incluem pagamentos regulares para persuadir companhias públicas de eletricidade a manter de reserva algumas usinas que usam combustíveis fósseis.

Porém, é provável que as maiores inovações se concentrem nos hábitos de consumo de energia.

A Apple e o Google, por exemplo, investem bilhões em negócios que aproveitem as novas oportunidades. Isso inclui ajudar proprietários de casas a administrar seu consumo de energia.

Os preços da energia elétrica, em vez de calculados por mês, poderiam variar em tempo real. Altas nos preços estimulariam a economizar. Inversamente, chips instalados em aparelhos como aquecedores de água poderiam ligá-los quando houvesse abundância de energia e preços baixos.

Para os alemães, a imprevisibilidade da energia renovável em terra firme explica o interesse pelo vento em alto-mar. As brisas constantes no mar do Norte e no mar Báltico garantem que as turbinas por lá produzam bem mais energia do que turbinas em terra.

É por isso que três companhias de eletricidade virtualmente passaram a controlar a ilha de Heligoland. Ela se tornou a base de operações para as fazendas eólicas enormes que estão instalando.

Por ora, as fazendas oneram em bilhões os custos para consumidores que já arcam com painéis solares, turbinas eólicas no continente, usinas de biogás e na transição para energia renovável.

Pesquisas, porém, indicam que os alemães estão dispostos a carregar esse fardo. “A Alemanha é um país rico”, disse Markus Steigenberger, analista do Agora. “É uma dádiva para o mundo.”

Colaboraram ERIC OLSEN, de Berlim, MATTHEW L. WALD, de Nova York, e CHRIS COTTRELL, de Heligoland, na Alemanha

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/09/1520562-vento-e-sol-mudam-panorama-energetico.shtml

 

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