Terra entra no ”vermelho” de seus recursos naturais até o final do ano
Desde a ECO-92 no Rio, a ONG Global Footprint Network vem calculando todos os anos o dia em que a pegada ecológica da humanidade ultrapassa a “biocapacidade” do planeta, ou seja, sua capacidade de reconstituir seus recursos e absorver os resíduos, inclusive o CO2.
A reportagem é de Laetitia Van Eeckhout, publicada pelo Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 21-08-2014.
Em 2014, esse “dia de sobrecarga” foi terça-feira (19). A partir de 20 de agosto até o final do ano, a humanidade estará vivendo em uma espécie de “crédito”: para continuar a beber, comer, se aquecer, se locomover, produzir, vamos superexplorar o meio natural, comprometendo sua capacidade de regeneração, tirando dos estoques derecursos naturais, como os de peixes que já são sobre-explorados, e poluindo ainda mais, sobretudo ao acumular CO2 na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento climático.
Dívida ecológica
Essa “dívida ecológica” não para de aumentar. O “dia da sobrecarga” tem chegado cada vez mais cedo. Em meados dos anos 1990, ele caía em novembro. Em 2000, foi em 1º de outubro.
Ainda excedentária em 1961, com um quarto de suas reservas não consumidas, a Terra se tornou deficitária no início dos anos 1970. Essa virada coincidiu com o crescimento demográfico do planeta, e com o advento da sociedade de consumo. Hoje, segundo os cálculos da Global Footprint Network, as necessidades da humanidade ultrapassam em 50% as reservas de recursos renováveis disponíveis. Em outras palavras, seria preciso um planeta e meio para produzir os recursos ecológicos renováveis necessários para sustentar a atual pegada da humanidade.
Biocapacidade
Entre os cinco países que mais consomem, estão a China, os Estados Unidos, a Índia, o Brasil e a Rússia. “Eles sozinhos representam 50% da pegada ecológica mundial”, ressalta Diane Simiu, diretora dos programas de conservação da WWF França. Embora seja o quarto maior consumidor mundial, o Brasil continua “no azul”: sua biocapacidade ainda é superior à sua pegada ecológica. Em compensação, a produção de recursos naturais daChina precisaria ser duas vezes maior para satisfazer a demanda de hoje dos chineses.
Hoje, 86% da população mundial vive em países que exigem mais da natureza do que seu ecossistema consegue renovar. A pegada ecológica dos habitantes dos países desenvolvidos é cinco vezes maior que a dos países pobres. O Japão precisaria de 7 vezes mais recursos para satisfazer seu atual nível de consumo. O troféu do déficit ecológico vai para os Emirados Árabes Unidos: as reservas desse país deveriam ser 12,3 vezes mais elevadas. Tendo a “sorte” de ter uma natureza bastante generosa, a França precisaria de 1,6 vez mais recursos naturais.
Os países ricos que se encontram em situação de déficit ecológico até que se saem bem. Isso porque “eles têm como exportar sua pegada ecológica ao importarem artigos alimentícios, entre outros. Na França, um em cada dez produtos contém óleo de palma. Só que a produção de óleo de palma é responsável pela derrubada de um milhão de hectares de florestas na Indonésia, um desmatamento que favorece a emissão de gases de efeito estufa”, exemplifica Siane Simiu.
Recursos de três planetas
Segundo os cálculos da Global Footprint Network, feitos sobre estimativas moderadas de consumo energético e alimentar e de crescimento demográfico, em 2050 será necessário o equivalente aos recursos ecológicos renováveis de três planetas para atender às demandas de consumo e absorver a poluição. “Os custos dessa sobrecarga planetária não são somente ambientais, mas também econômicos e humanos, trazendo ameaças à segurança alimentar dos países mais vulneráveis”, afirma Diane Simiu.
“Ainda podemos tomar medidas ousadas e construir um futuro baseado em um uso sustentável dos recursos“, ela diz. “Existem soluções que permitem atacar o problema: adotar em massa as energias renováveis, repensar a urbanização, a mobilidade, a tributação, reciclar mais… Mas é preciso agir agora. Como consumidores, podemos também comer menos carne, cuja produção emite de 20% a 30% a mais de gases de efeito estufa do que a de vegetais, e selecionar produtos que venham de fontes geridas de forma comprovadamente sustentável.”
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