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Seminário Nacional FMCJS 2021: realidade sociopolítica e moratória do desmatamento na pauta de debates

Por Flaviana Serafim

Nesta quarta-feira (24), o Fórum Nacional de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS) deu seguimento ao Seminário Nacional 2021, que tem como tema “Frente o colapso civilizacional, esperançar com os povos guardiões da vida”.

No segundo dia do seminário virtual, foram apresentados alguns dos projetos e ações em desenvolvimento nos núcleos do FMCJS junto aos diversos biomas do país, seguido de uma reflexão sobre a realidade sociopolítica ligada às mudanças climáticas, com exposição de Ivo Poletto, do grupo executivo do Fórum, e da pesquisadora Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (LaGEE – INPE).

Na abertura, com mediação de Nahyda Franca, a apresentação musical de Iremar Ferreira e uma mística por Salomão e Vanda Santos, do bioma do Pantanal, com voz e violão fazendo uma dinâmica virtual com as águas trazidas pelos participantes representando todos os biomas brasileiros e os guardiões das águas.

Entre as experiências, compartilhadas por vídeos mostrando os avanços a partir dos núcleos do FMCJS, a do Instituto Piauí Solar, com a Cooperativa de Compartilhamento de Energia Solar “Bem Viver” de geração justa e solidária de energia fotovoltaica no semiárido. Do bioma Pampa, a ação voltada à segurança hídrica e transição energética justa em comunidades quilombolas da região sul do Rio Grande do Sul.

Da Amazônia, os polinizadores/as da ecologia integral e seu curso de extensão para lideranças de municípios de Manaus e Roraima, e ainda o projeto Tapajós Solar para descentralização da energia solar para utilização popular na bacia do Rio Tapajós, no Pará, em contraposição aos megaprojetos hidrelétricos, entre outros projetos.

Clecir Maria Trombetta, do grupo executivo do FMCJS, finalizou com a apresentação das principais iniciativas e frentes em que o Fórum está presente e atuando. Hoje são 15 núcleos regionais e 22 iniciativas, frentes e articulações em todo o território brasileiro.

Realidade sociopolítica e mudanças climáticas

Na “Reflexão sobre a realidade sociopolítica ligada às mudanças climáticas”, Ivo Poletto fez uma análise crítica sobre os resultados da Conferência do Clima (COP-26), recém concluída em Glasgow, na Escócia, ressaltando a mensagem dos jovens participantes da COP-26 de que não é na conferência o espaço para enfrentamento das mudanças climáticas e seus impactos.

“Não é desse conjunto que vamos esperar que tenhamos capacidade de articulação política para poder enfrentar como deve ser enfrentado o problema que foi gerado pela irresponsabilidade das grandes corporações. Fundamentalmente, os governos não se libertam da dominação das grandes corporações internacionais interessadas em manter lucros, novos negócios, tentando enganar com expressões como ‘verde’ e ‘soluções segundo a natureza”, afirma Poletto.

Para o assessor do FMCJS, a presença dos mais de 500 lobistas na COP-26 impediu que os governos dessem passos rumo a avanços para além de “pequenos acordos que não tem nenhum comprometimento sério”.

Poletto também pontuou alguns dos desafios para o fórum e suas organizações: tornar as iniciativas realizadas mais conhecidas, mostrando que as transformações são possíveis; articulação entre as ações e organizações do fórum visando ampliar e potencializar resultados; a conexão mais eficaz das iniciativas concretas às novas formas de fazer política e de se definir políticas públicas no nível local, nacional e internacional.

“Nós, como humanidade, talvez não consigamos mais viver por aqui. Não podemos deixar que isso se torne vitorioso, precisamos encontrar formas de efetivamente sermos capazes de propor novos caminhos políticos”, critica.

A pesquisadora do INPE Luciana Gatti discorreu sobre o ciclo de carbono e o impacto das emissões de gases decorrentes das atividades humanas na última década, alertando para o descompasso entre estas emissões e a retirada de CO² pela natureza.

“São bilhões de toneladas de gás carbônico por ano pelo combustível fóssil, principalmente carvão, petróleo e gás, e a COP-26 foi sobre dar dinheiro para os países pobres não desmatarem. Resolve?”, questionou. Segundo a pesquisadora, o problema não seria resolvido mesmo com a recuperação de 100% das florestas, dada a gravidade das emissões por combustíveis fósseis. Por isso, ela também criticou a ausência de compromisso da China e Estados Unidos, os maiores poluidores e que se recusam a assinar acordo de redução de emissões. 

No caso da China, Gatti explica que a responsabilidade não é só do país, mas de empresas de todo o mundo que transferiram suas plantas ao território chinês em busca de mão de obra barata e alta lucratividade.  “A China produz bens para o mundo inteiro e à base de carvão, que é a energia mais poluidora. Em vez dos empresários gerarem emprego e distribuírem renda nos próprios países, vão para a China, e investem na bolsa de valores. O mundo está todo errado”.

Moratória contra o desmatamento na Amazônia

Sobre o cenário brasileiro, os dados apresentados pela pesquisadora mostram que a maior parte das emissões (46%) são devido à mudança do uso da terra e florestas, seguido da agricultura (27%), da produção de energia (18%), dos processos industriais (5%) e

geração de resíduos (4%).

No caso da Amazônia, dos 17% de desmatamentos, entre 1985 e 2019, 14% são causados pela agropecuária (89% da pecuária e 11% da agricultura). A floresta é responsável por até metade da reposição da chuva em todo o Brasil pela evapotranspiração das árvores. Outro dado alarmante sobre os desmatamentos é que havia ocorrido uma queda entre 2005 e 2012, ano de estabelecimento do Novo Código Florestal e que marca a volta do crescimento da deflorestação – um aumento de 199% até 2021.

“Se já desmatamos 20% da Amazônia, temos 20% a menos dessa reciclagem para formar chuva, é esse o impacto gigantesco do desmatamento. Calcula-se que as árvores jogam uma quantidade de vapor comparável à quantidade de água do rio Amazonas sobre os mares. Por isso a Amazônia é importante para a reposição do volume de água no planeta todo e para o equilíbrio da temperatura”, explica a pesquisadora, ressaltando a relevância da Amazônia contra as mudanças climáticas. 

“Em outros países, as florestas estão conseguindo compensar um terço das emissões humanas. Quando consideramos a Amazônia, a floresta está conseguindo compensar só 18% dentro da própria área amazônica. Quase um bilhão de toneladas de gás carbônico estão sendo jogados na atmosfera com as queimadas e desmatamentos”.

Para mudança no quadro, Gatti aponta como a caminho a unidade entre os setores engajados na causa, denunciando os crimes ambientais e promovendo iniciativas de enfrentamento. Ela avalia que o problema não é falta de recursos, “é falta de querer fazer. Temos que trazer para a causa a moratória do desmatamento, trazer o Ministério Público, parlamentares e estabelecer um compromisso pelo desmatamento zero”.

Além do estabelecimento de uma moratória pelo desmatamento já, ela defende a organização de um movimento “porque estamos caminhando a passos largos para um colapso no Brasil. Ter tempestades de areia típicas de deserto num país tropical é óbvio que já alteramos o meio ambiente muito mais do que podíamos ter alterado no Brasil”.

Debates prosseguem para definição de prioridades para 2022

Após as exposições, foi realizada plenária e abertura ao debate para compartilhamento de propostas e definição de encaminhamentos.

Na manhã desta quinta-feira (25), o seminário virtual prosseguiu com a apresentação e avaliação de resultados, além do debate em grupos de trabalho para que as e os participantes pontuem as prioridades para continuidade das ações do FMCJS e os caminhos a seguir em 2022.

Ao final da manhã do segundo dia, Iremar Ferreira encerrou os trabalhos com todas e todos “caminhando e cantando e seguindo a canção” com a música “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré.