O perfeito desastre para o capitalismo do desastre
MENSAGEM DE DENÚNCIA E MOBILIZAÇÃO
Diante da insegurança geral no Brasil e no mundo provocada pela pandemia do CORONAVIRUS, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS, envia aos membros e parceiros de suas iniciativas em favor do enfrentamento das causas da mudanças climáticas e da solidariedade política com os que sofrem as consequências das práticas de injustiça socioambiental, e a todos os irmãos e irmãs brasileiros, esta Mensagem de Denúncia e Mobilização – e o faz assumindo a palavra do franciscano Leonardo Boff:
O perfeito desastre para o capitalismo do desastre
A atual pandemia do coronavírus representa uma oportunidade única para repensarmos o nosso modo de habitar a Casa Comum, a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos com a natureza. Chegou a hora de questionar as virtudes da ordem do capital: a acumulação ilimitada, a competição, o individualismo, a indiferença face à miséria de milhões, a redução do Estado e a exaltação do lema de Wall Street: “greed is good”(a cobiça é boa). Tudo isso agora é posto em xeque. Ele tem dias contados.
O que agora nos poderá salvar não são as empresas privadas, mas o Estado com suas políticas sanitárias gerais, sempre atacado pelo sistema do mercado “livre” e serão as virtudes do novo paradigma, defendidas por muitos e por mim – e pelo FMCJS -, do cuidado, da solidariedade social, da corresponsabilidade e da compaixão.
O primeiro a ver a urgência desta mudança foi o presidente francês, neoliberal e vindo do mundo das finanças, E. Macron. Falou claro: “Caros compatriotas, precisamos amanhã tirar lições do momento que atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que nosso mundo escolheu há décadas e que mostra suas falhas à luz do dia, questionar as fraquezas de nossas democracias. O que revela esta pandemia é que a saúde gratuita sem condições de renda, de história pessoal ou profissão, e nosso Estado-de Bem-Estar-Social não são custos ou encargos, mas bens preciosos, vantagens indispensáveis quando o destino bate à porta. O que essa pandemia revela é que existem bens e serviços que devem ficar fora das leis do mercado”.
Aqui se mostra a plena consciência de que uma economia só de mercado, que tudo mercantiliza, e sua expressão política, o neoliberalismo, são maléficas para a sociedade e para o futuro da vida.
Mais contundente ainda foi a jornalista Naomi Klein, uma das mais perspicazes críticas do sistema-mundo e que serviu de título ao meu artigo: “O coronavírus é o perfeito desastre pra o capitalismo do desastre”. Essa pandemia produziu o colapso do mercado de valores (bolsas), o coração desse sistema especulativo, individualista e antivida, como o chama o Papa Francisco. Este sistema viola a lei mais universal do cosmos, da natureza e do ser humano: a interdependência de todos com todos; que não existe nenhum ser, muito menos nós humanos, como uma ilha desconectada de tudo o mais. Mais ainda: não reconhece que somos parte da natureza e que a Terra não nos pertence para explorá-la ao nosso bel-prazer, mas que nós pertencemos à Terra. Na visão dos melhores cosmólogos e dos astronautas que veem a unidade Terra e Humanidade, somos aquela porção da Terra que sente, pensa, ama, cuida e venera. Superexplorando a natureza e a Terra como se está fazendo no mundo inteiro, estamos nos prejudicando a nós mesmos e nos expondo às reações e até aos castigos que ela nos impõe. É mãe generosa, mas pode mostrar-se rebelada e enviar-nos um vírus devastador.
Sustento a tese de que esta pandemia não pode ser combatida apenas por meios econômicos e sanitários, sempre indispensáveis. Ela demanda outra relação para com a natureza e a Terra. Se após passar a crise não fizermos as mudanças necessárias, na próxima vez, poderá ser a última, pois nos fazemos os inimigos figadais da Terra. Ela pode não nos querer mais aqui.
O relatório do prof. Neil Ferguson, do Imperial College of London, declarou: “esse é o vírus mais perigoso desde a gripe H1N1 de 1918. Se não houver uma resposta imediata, haveria nos USA 2,2 milhões de mortos e 510 mil no Reino Unido”. Bastou esta declaração para que Trump e Johnson mudassem imediatamente de posição. Tardiamente, se empenharam com fortunas para proteger o povo. Enquanto no Brasil o Presidente não se importa, a trata como uma “histeria” e, no dizer de um jornalista alemão da Deutsche Welle: “Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas”. É o que o Parlamento e o STF, por amor ao povo, deveriam, sem delongas, fazer.
Não basta a hiperinformação e os apelos por toda a mídia. Ela não nos move a mudar de comportamento exigido. Temos que despertar a razão sensível e cordial. Superar a indiferença e sentir, com o coração, a dor dos outros. Ninguém está imune do vírus. Ricos e pobres temos que ser solidários uns para com os outros, cuidarmo-nos pessoalmente e cuidar dos outros e assumir uma responsabilidade coletiva. Não há um porto de salvação. Ou nos sentimos humanos, coiguais na mesma Casa Comum, ou nos afundaremos todos.
As mulheres, como nunca antes na história, têm uma missão especial: elas sabem da vida e do cuidado necessário. Elas podem nos ajudar a despertar nossa sensibilidade para com os outros e para conosco mesmos. Elas, junto com operadores da saúde (corpo médico e de enfermagem) merecem nosso apoio irrestrito. Cuidar de quem nos cuida para minimizar os males desse terrível assalto à vida humana.
Que o sofrimento e as mortes desse tempo de pandemia nos unam num forte grito pela vida, e para que ela seja a nossa razão de ser, mudemos o sistema, não o clima.
Brasília, 23 de março de 2020