Gás de xisto: como a Shell fratura desenfreadamente o planeta
“A petroleira Shell vai para todas as partes à procura de gás de xisto e hidrocarbonetos não convencionais. Esta busca desenfreada de um novo Eldorado petroleiro ameaça com graves perigos ambientais, em particular sobre as reservas de água já ameaçadas de superexploração e contaminação. Por outro lado, a empresa anglo-holandesa é considerada ‘a empresa mais agressiva no tocante à destruição de recursos naturais’, segundo o Prêmio Pinóquio 2014, que ‘premia as empresas em total contradição com o conceito de desenvolvimento sustentável’”, escreve Olivier Petijean, em artigo publicado no sítio Basta!, 14-10-2014. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Ucrânia, Patagônia, África do Sul,Tunísia… A petroleira Shell vai para todas as partes à procura de gás de xisto e hidrocarbonetos não convencionais. Esta busca desenfreada de um novo Eldorado petroleiro ameaça com graves perigos ambientais, em particular sobre as reservas de água já ameaçadas de superexploração e contaminação. Por outro lado, a empresa anglo-holandesa é considerada “a empresa mais agressiva no tocante à destruição de recursos naturais”, segundo oPrêmio Pinóquio 2014, que “premia as empresas em total contradição com o conceito de desenvolvimento sustentável”.
A Shell quer o gás de xisto, e o quer muito. A multinacional petroleira investe em todas as partes para acumular enormes concessões. “A Shell se move para perfurar por fraturação hidráulica ou se prepara para fazê-lo em todos os continentes”, resume a organização britânica Platform em um breve informe intitulado “Shell: megafraturadora global”. Da Argentina à Ucrânia, dos Estados Unidos à África do Sul, passando pela Argélia ou pela Tunísia, as perfuração de gás de xisto estampadas com o célebre logotipo laranja se multiplicam. “Suas atividades de prospecção e exploração vão acompanhadas de uma grande campanha de relações públicas para atenuar as controvérsias”, assinala a ONG britânica.
As controvérsias. O maior grupo petroleiro mundial em receitas (1) está acostumado com as controvérsias. A empresa anglo-holandesa é uma das primeiras multinacionais perseguidas pela justiça internacional por violação dos direitos humanos e destruição do meio ambiente ocasionados por suas atividades na Nigéria. (2) O Greenpeace acaba de realizar com sucesso uma campanha de grande envergadura para forçar a marca de brinquedos Lego a abandonar o acordo de parceria com a Shell.
A Shell faz na Ucrânia o que não se atreveria a fazer no Ocidente
Nestas condições, a Shell ainda teme manchar sua já controvertida reputação? A empresa faz parte das maiores petroleiras europeias, ao lado da Total, que sentem que ter “perdido” o boom do gás de xisto estadunidense. Estas empresas investiram muito tarde, quando a bolha se desinflava, e perderam muito dinheiro: 2,4 bilhões de dólares no caso da Shell nos Estados Unidos. Mas a multinacional está disposta a buscar o potencial “próximo Eldorado” do gás de xisto em todas as partes onde possa encontrá-lo.
E em primeiro lugar na Ucrânia, açoitada pela guerra civil. É o único país da Europa no qual a Shell pôde, até o momento, realizar operações de perfuração de gás não convencional. (3) A ONG Amigos da Terra da Holanda esteve no local no final de 2013. A associação ecologista comprovou que a Shell está longe de respeitar as exigências ambientais mínimas. As ONGs descobriram as piscinas onde são armazenadas as águas residuais (extremamente contaminantes) procedentes da fraturação hidráulica. Essas águas contaminadas estão separadas do solo apenas por uma lona de plástico. As substâncias tóxicas que contêm são perigosas para o meio ambiente e para a saúde humana, tanto pelo risco de vazamento para os lençóis freáticos como pela evaporação, na qual, além disso, liberam grandes quantidades de metano, um gás de efeito estufa muito potente.
Perfil baixo na Holanda
Para a associação Amigos da Terra, semelhantes práticas revelam o “duplo padrão” aplicado pela empresa: “A Shell prefere procurar gás de xisto nos países onde as regulações e sua aplicação não são tão estritas como na Holanda. É inaceitável que uma empresa holandesa como a Shell – que nunca se atreveria a investir em gás de xisto em seu país – possa utilizar essas técnicas nocivas e perigosas em outros países”. A Amigos da Terra da França e da Holanda quis denunciá-la indicando a Shell ao Prêmio Pinóquio 2014, concedido pelos internautas às multinacionais mais hipócritas do ano.
A atividade no estrangeiro contrasta com o perfil baixo adotado pela Shell em seu país de origem, a Holanda. Uma forte mobilização popular permitiu obter uma moratória de fato da fraturação hidráulica. 221 organizações locais proibiram oficialmente esta técnica em seus territórios. A Shell ainda não tentou prospectar o gás de xisto no país. Apenas uma pequena e jovem petroleira, a Cuadrilla, solicitou licenças para proceder às fraturações hidráulicas. O mesmo acontece no outro país de origem da Shell, o Reino Unido, onde a empresa se isolou ostensivamente do debate, ao contrário da Total que investiu um pouco nesse campo. No entanto, nos bastidores a Shell estaria se movendo para evitar que a Holanda proíba oficialmente a fraturação hidráulica por medo de que isso a impedisse de seguir estendendo-se para outras partes, lamenta Ike Teuling da secção local da Amigos da Terra. Assim, a empresa acaba de organizar uma visita de parlamentares holandeses aos locais de perfuração nos Estados Unidospara demonstrar a “segurança” e a ausência de riscos ambientais. Bem longe da realidade ucraniana que as ONGs denunciam.
Fraturar graças às sentenças jurídicas e políticas
O acordo de exploração da Shell na Ucrânia foi assinado com o presidente Viktor Yanukovich, expulso do poder pelo povo no final de 2013. Por meio desse contrato a multinacional holandesa está associada a uma empresa ucraniana chamada Nadra Yuzivska, que pertence 90% ao Estado ucraniano e 10% a uma sociedade fantasma vinculada ao clã do ex-presidente, suspeito de corrupção. Um contrato que obviamente não caiu no gosto do novo regime ucraniano. Por outro lado, a Shell teve que interromper todas as suas operações na Ucrânia em junho, já que a zona de perfuração está situada no leste do país, onde atualmente acontecem os enfrentamentos entre o Exército ucraniano e os separatistas.
Na Argélia e na Tunísia, os governos optaram por favorecer a extração do gás de xisto sem um debate público, apesar das reticências dos cientistas e da população. Em ambos os países a Shell está na primeira fila. “A Shell adapta sua estratégia segundo os países, explica Ike Teuling. Na África do Sul a empresa lançou uma ampla campanha de relações públicas nos meios de comunicação. Ao contrário, na Argentina, o sítio da Shell não menciona suas perfurações de gás de xisto”.
Quando a Shell instrumentalizada os conflitos étnicos
Na Patagônia, as concessões de gás de xisto concedidas às multinacionais na Província de Neuquén são feitas através de uma empresa provincial criada para a ocasião, a Gas y Petróleo de Neuquén, cujas contas e funcionamento não são transparentes. Assim como a Total – à qual, por outro lado, a Gas y Petróleo de Neuquén está associada em certas concessões –, a Shell aproveita as lacunas jurídicas ou os conflitos entre as administrações para perfurar em zonas naturais protegidas. Os habitantes tradicionais dessas áreas não dispõem de títulos oficiais de propriedade da terra. E a empresa age como se essas pessoas não existissem.
Na África do Sul a Shell é acusada de atiçar deliberadamente as tensões raciais na região de Karoo, onde a empresa possui a concessão de uma zona de quase 90.000 quilômetros quadrados… O tamanho da Guiana! Karoo abriga grandes fazendas de criação extensiva de gado, cujos proprietários brancos foram os primeiros a se mobilizaram contra os projetos da Shell. A multinacional não vacilou em contratar alguns empregados negros dessas fazendas para que levassem a boa nova às suas comunidades apresentando a fraturação hidráulica como uma grande causa “negra”. Uma propaganda de eficácia limitada. As organizações sociais negras que militam pela reforma agrária em Karoo, os bispos locais e os indígenas kho e san, entre outros, manifestaram-se contra o gás de xisto. Mas o governo sul-africano é amplamente favorável. A Shell está apenas aguardando a autorização para iniciar as perfurações.
A água, objeto de todas as inquietações
A maioria das regiões onde a Shell procura gás de xisto tem um ponto em comum: elas sofrem da falta de água. O Karoo, na África do Sul, a Província de Neuquén, na Patagônia argentina, a Argélia e a Tunísia são regiões extremamente secas. Os escassos recursos de água são vitais para a população e as atividades agrícolas existentes. Mas a fraturação hidráulica requer grandes quantidades de água: vários milhões de litros por perfuração. O que nos faz perguntar de que forma a Shell e seus colegas pensam em agir. Eles mantêm uma elaborada imprecisão sobre o assunto enquanto afirmam sempre que nunca utilizam fontes de abastecimento de água potável ou de irrigação.
No entanto, na Argentina os estudos de impacto ambiental da Shell e da Total omitem deliberadamente – um requisito teoricamente obrigatório – de onde provém a água que utilizam e como pensam em tratar as águas residuais da fraturação (4), já que a Shell tem duas concessões importantes nas proximidades dos lagos Mari Menuco e Barreales, principais fontes de abastecimento de água potável da zona. Uma região rica também em vinhedos e cultivos de horticultura alimentados com as águas do rio Neuquén, até agora respeitadas pelas operações de gás e de petróleo.
A situação na África do Sul é ainda mais incerta. Os recursos de água são muito escassos. E, ao contrário da Patagônia, onde já se explora gás convencional, a África do Sul carece de todas as infraestruturas necessárias: não há gasodutos nem instalações portuárias específicas. As moradias sul-africanas sequer rede de gás têm! Perguntada sobre o problema da água, a Shell limita-se a declarações imprecisas sobre a possibilidade de utilizar água do mar dessalinizada, o que parece totalmente impossível por uma simples razão de custos. Com todos esses gastos necessários, a exploração do gás de xisto de Karoo – caso realmente for explorável – será economicamente viável algum dia?
“É a forma típica como a Shell aborda a exploração do gás de xisto”, assinala Ike Teuling. “É um desafio. Eles pensam que embora nunca descubram milhares de metros cúbicos de gás exploráveis, com uma concessão de milhares de quilômetros quadrados, terão os meios para encontrar respostas para outras questões.” Por todas estas razões, a Amigos da Terra decidiu indicar a Shell ao Prêmio Pinóquio 2014 na categoria “Um para todos, tudo para mim!”, já que “a empresa fez a política mais agressiva quanto à apropriação, superexploração ou destruição de recursos naturais”.
Notas:
(1) Primeiro em 2012 e depois em 2013.
(2) Vários militantes da minoria ogoni, entre eles o poeta Ken Saro-Wiwa, foram assassinados em 1995 após conseguirem a expulsão da Shell de seu território, o que deu lugar a um procedimento judicial contra a empresa nos Estados Unidos. Em 2013, a Suprema Corte dos Estados Unidos arquivou a denúncia. Além de Ogoniland, a Shell deixou atrás de si um verdadeiro desastre ambiental, denunciado em um relatório das Nações Unidas em 2011. Na época, a multinacional holandesa prometeu realizar uma restauração ambiental na zona a um custo estimado em um bilhão de dólares. Segundo um relatório publicado há algumas semanas pela Amigos da Terra e pela Anistia Internacional, a Shell ainda não fez nada no local. Ao mesmo tempo iniciaram-se vários procedimentos judiciais na Holanda e na Inglaterra para incriminar a Shell pelas contaminações petroleiras no delta do rio Níger.
(3) Atualmente, poderia se tratar também de possíveis concessões na Bósnia.
(4) Ver a este respeito o relatório da Amigos da Terra sobre o gás de xisto na Argentina, que assinala o caso de uma família, sem acesso à rede de água potável e que reside em uma concessão da Shell, a quem a empresa proibiu oficialmente de utilizar a reserva de água doce que ela instalou nas proximidades da residência da família citada.