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Diagnóstico do Município de Jatobá/PE

Esse texto foi escrito dentro do nosso projeto de Comunicadores Populares. Faz uma análise do Município de Jatobá/PE, que fica às margens do Rio São Francisco. O autor é Alberto Reani, participante do Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental.

Avenida de Jatobá-PE (Foto: mapio.net)

por Alberto Reani

Até ser fundada a Associação de Jovens Criadores de Peixes em 2012, a Diocese de Floresta/PE teimava em não querer despertar sobre as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico na Região do Submédio São Francisco. Era difícil achar 13 pessoas para constituir uma associação. Hoje, no Rio São Francisco, encontram-se 45 pisciculturas instaladas no Município de Jatobá. Talvez isso deu origem ao lema do Governo Municipal atual, “Jatobá capital da tilápia”.

Se na época foi difícil fazer a sociedade civil (municípios e empreendedores) acreditar na possibilidade de investimentos na área, percebe-se hoje um investimento massivo, depois de ter visto que pode dar certo… e dar lucro. É tanto que o coordenador da Pastoral dos Pescadores testemunhara em uma reunião do Conselho Diocesano de Pastoral, em Floresta, no ano de 2019, que até o acesso ao rio era difícil para os pescadores, por causa das ocupações de particulares nas margens do Rio São Francisco. De fato, passando pela BR 110 que beira o São Francisco, descendo de Petrolândia até a ponte que faz divisa entre Pernambuco e Alagoas (barra do Rio Moxotó) é possível constatar uma grande quantidade de tanques-rede para a criação da tilápia.

Ora, vem de se perguntar primeiro por que tanta dificuldade em encontrar credibilidade e apoio por parte do Município, considerando que a Lei Orgânica Municipal de 31 de março de 1997 reza em vários de seus artigos o compromisso com o desenvolvimento econômico da população, em função da “redução da pobreza” e da “ampliação da oferta de alimentação” (art. 3), através do estabelecimento de uma “política de desenvolvimento urbano,…; distribuição de emprego, renda, solo,…; utilização adequada do território e dos recursos naturais mediante o controle da implantação e do funcionamento… de empreendimentos industriais, comerciais, habitacionais” que deverão ser compreendidos no Plano Diretor do Município (art. 123). Levando em consideração que a Lei Orgânica reza que “o Município não considerará o capital só como produtor de lucro, mas também como meio de expansão econômica e de bem estar coletivo” (art. 140).

Provavelmente havia certa desconfiança com relação à sustentabilidade que o rio poderia oferecer, já que, lendo o texto da Lei Orgânica é fácil entender que tudo que se refere a desenvolvimento e/ou investimento (empreendimentos) está ligado à agropecuária e não ao rio. O rio praticamente não era visto como um recurso para o “bem estar” da população, especialmente a partir de um olhar econômico. Apesar de sempre ter existido pescadores, isso o testemunha a existência de pescadores artesanais (e de Colônias de Pescadores), a vida do e no rio não foi considerada como importante. Talvez por tratar-se de “economia de subsistência”. O Rio São Francisco começou a ser visto de forma diferente quando Delmiro Gouveia realizou uma ação pioneira de exploração da força das águas para transformá-la em energia elétrica. Foi o que provocou uma mudança radical na região, que passou de área de trânsito na produção de carne (currais de gado) para área a serviço da indústria, para a qual está destinada boa parte da energia aqui produzida.Mas isso tudo significava desclassificação da importância de um inteiro bioma: a caatinga, área considerada semidesértica e improdutiva. No mesmo bolo estava o Rio São Francisco.

A Lei Orgânica do Município de Jatobá diz que “a ação do Município na zona rural dar-se-á no sentido de fixar o homem à terra” (art. 153). Vem de se perguntar se isso significa uma preocupação com as tradicionais migrações de sertanejos nordestinos em busca de trabalho no “sul” do país, ou refira-se mais diretamente à viabilização e disponibilização de meios, como outros artigos da mesma Lei sugerem, visando o desenvolvimento rural (como também urbano): aproveitamento do solo, tecnologias alternativas, agricultura orgânica e barateamento dos custos, eletrificação rural, criação de escolas e postos de saúde nas áreas rurais, etc. (art. 148). É certo porém que, ainda que se fale em “preservação dos recursos naturais renováveis, e do meio ambiente”, não podemos dizer que a vontade de fixar o homem à terra seja entendido fora de um projeto político (“política agropecuária” de que trata o artigo) de desenvolvimento que se refere à terra como fonte de recursos. A visão “ecológica” está totalmente dentro dos esquemas e parâmetros de exploração do solo, não de uma relação “solidária” com a natureza. Explícito é o artigo 154 no seu parágrafo único: “O Município apoiará os trabalhadores na conquistada terra” (grifo nosso).

Em 1997 já havia-se construído no Rio São Francisco as barragens e Usinas Hidrelétricas, mas ainda não se cogitava nenhuma associação de criadores de peixe, já que, como já dissemos, a primeira é de 2012. Isso fica claro na insistência sobre a agropecuária. Também o discurso ligado a um novo paradigma ecológico já estava in curso (Conferência mundial sobre as mudanças climáticas – Rio 1992; Convenção sobre a Diversidade Biológica – 1992), mas não tinha-se consolidado na perspectiva dos Direitos da Natureza (ou da Mãe-Terra), como chegou depois ser incluído na Constituição de Equador (2008). 

Ora, Jatobá ser a “capital da tilápia” deveria oportunizar para o município uma reflexão sobre a vida (ou revitalização) do Rio São Francisco, considerando que boa parte do empreendedorismo local se baseia na piscicultura (e não na agropecuária). Considerando também a grave crise da água que o mundo vive por causa de poluição e crise climática. Considerando enfim o compromisso assumido na Lei Orgânica Municipal: “O Município atuará no sentido de assegurar a todos os seus munícipes, o direito ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado, como um bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida” (art. 165).

Além de se preocupar com “controle e fiscalização” (art 166), “saneamento e diretrizes gerais de ocupação que assegure a proteção dos recursos naturais” (art 167), preservação ou conservação da mata (art 171) e condições de reflorestamento (art 173) através da constituição de um Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente (art 172), talvez precise também de uma ação de conscientização sobre a relação homem-ambiente que ajude repensar-se como um elemento de uma relação orgânica, de uma rede (teia). Repensar a humanidade como algo que está dentro… e de que a Mãe-Terra pode estar grávida na totalidade do cosmo.

A Lei Orgânica do Município de Jatobá (PE) já prevê a necessidade de implantar “em local convenientemente escolhido, meios de estudos nas áreas de agricultura, avicultura, apicultura e piscicultura”, “com o objetivo de efetuar melhoria na qualidade da merenda escolar e enriquecimento do curriculum escolar” (art 203, grifo nosso). Isso já está acontecendo?

Se quisermos nos encaminhar para a implementação de leis na perspectiva dos Direito da Natureza (Direitos Fundamentais de 4aou 5ageração), é preciso correr, acelerar nossa caminhada rumo a uma educação ecológica integral (Papa Francisco). Descobrir e sensibilizar (sentir e sentir-se), fazer experiência de uma nova relação com uma natureza que não somente é matéria, mas é Ser Vivo e portanto tem um Espirito. Não é um bem de consumo, mas um ser com que me relaciono, converso, escuto,… respeito, entendo suas necessidades, acompanho seus ritmos e ciclos. Isso significa preparar novas gerações para experienciar mudança de parâmetros e cobrar políticas públicas em vista do bem comum e na perspectiva do Bem Viver.

Ainda devemos nos perguntar, já que o Governo municipal define Jatobá como “capital da tilápia”, quanto está realmente investindo (inclusive usufruindo das royalties vindas das Usinas Hidrelétricas) para saneamento, tratamento das águas (de esgoto, das chuvas e do rio), preservação das matas (ciliares, da caatinga e das serras), revitalização das margens do rio e do próprio rio, preservação e repovoamento da fauna e reflorestamento da caatinga? Tudo isso está previsto como compromisso na Lei OrgânicaMunicipal em diversos dos seus artigos, mas os dados IBGE de 2010 mostram que Jatobá “não possui Política Municipal de Saneamento Básico e não possui Plano Municipal de Saneamento Básico” e que o “IDHM[1]de JATOBÁ é 0.645” (Disponível em: https://infosanbas.org.br/municipio/jatoba-pe/. Acesso em 22/04/2020).

Com relação ao abastecimento de água, os dados nos dizem que, em 2010 o município oferecia na área rural 66% do serviço vindo da Rede geral e 24% de outra forma de abastecimento, embora contava com 0% de poços ou nascentes na propriedade e 0% quanto à água da chuva armazenada em cisterna. Na área urbana constava: Rede geral 99%; outra forma de abastecimento 0%; poço ou nascente na propriedade 0%; água da chuva armazenada em cisterna 0% (Disponível em: https://infosanbas.org.br/municipio/jatoba-pe/. Acesso em 22/04/2020).

Quanto à destinação do lixo, os mesmos dados de 2010 dizem que na área rural o 46% era coletado por serviço de limpeza, outro 43% era queimado na propriedade, 5% coletado em caçamba de serviço de limpeza, 3% jogado em terreno baldio ou logradouro, 2% era enterrado na propriedade e 1% encontrava outro destino não definido. Os dados dizem que 0% era jogado no rio. Quanto à área urbana, os dados coletados dizem que 93% do lixo era coletado por serviço de limpeza, somente 2% era queimado na propriedade, 4% vinha coletado em caçamba de serviço de limpeza, mas ainda 1% era jogado em terreno baldio ou logradouro. Aqui também consta que 0% é jogado em rio. (Disponível em: https://infosanbas.org.br/municipio/jatoba-pe/. Acesso em 22/04/2020).

Quanto ao esgotamento sanitárioos dados se apresentam como segue.

Área rural: Rede geral de esgoto ou pluvial 50%; Fossa rudimentar 19%; Fossa séptica 8%; Vala 11%; Não tinham 10%; Outro escoadouro 2%; Rio, lago ou mar 0%.

Área urbana: Rede geral de esgoto ou pluvial 76%; Fossa rudimentar 4%; Fossa séptica 15%; Vala 2%; Não tinham 2%; Outro escoadouro 1%; Rio, lago ou mar 0%. (Disponível em: https://infosanbas.org.br/municipio/jatoba-pe/. Acesso em 22/04/2020).

Sempre olhando os dados 2010 sobre os domicílios com ou sem banheirovemos que na área rural 80% dos domicílios estão sem banheiro nem sanitário de uso exclusivo dos moradores, 10% dos domicílio tem banheiro de uso exclusivo dos moradores e 10% tem sanitário, enquanto na área urbana 96% dos domicílios estão sem banheiro nem sanitário de uso exclusivo dos moradores, somente 2% dos domicílio estão com banheiro de uso exclusivo dos moradores. A mesma porcentagem (2%) estão com sanitário (Disponível em: https://infosanbas.org.br/municipio/jatoba-pe/. Acesso em 22/04/2020).

Analisando portanto e comparando os dois dados (esgoto x banheiros), devemos nos preocupar com a quantidade de dejetos fecais que provavelmente entram na terra e, consequentemente, através das chuvas e riachos (embora sazonais) podem acabar indo parar no rio. No rio devem ser controlados não somente os resíduos fecais humanos, mas também da grande quantidade de peixe que hoje está sendo criado em cativeiro (tanques-rede), diretamente nas águas do rio, que, se por um lado alguém testemunha que provocou o aumento da ictiofauna, em especial os predadores e os peixes “lixeiros” que “se alimentam de detritos orgânicos que vão sendo acumulados e depositados no fundo dos tanques, como fezes e outros resíduos” (Disponível em: https://www.criacaodepeixes.com.br/os-peixes-se-alimentam-de-que. Acesso em 25/04/2020). É de se considerar o impacto destes resíduos orgânicos no ambiente, inclusive com o aumento de plantas (baronesa) dentro do rio, fenômeno a que estamos assistindo nestes últimos anos, considerando que a maioria das cidades captam as águas do rio para o abastecimento da população.

Ser capital da tilápia é uma responsabilidade. Temos que ter o cuidado, porém, para não inverter os termos e tornar Jatobá (e a tilápia) serva (ou até escrava) do capital.


[1]          “O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores nacionais.” (Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/conceitos/o-que-e-o-idhm.html. Acesso em 22/04/2020. Nota do autor).