Conflitos pela água batem recorde no país
Levantamento da Comissão Pastoral da Terra aponta 42,8 mil famílias envolvidas nessas disputas rurais em 2014. Disputas envolvem, por exemplo, invasões de terras para acesso a rios e lagos e a apropriação de açudes públicos
A reportagem é de Fabrício Lobel, publicada pela Folha de S.Paulo.
Em meio à forte seca que atinge há meses diferentes Estados do país, o número de conflitos rurais por água bateu recorde no ano passado.
Foram registrados 127 conflitos, com 42,8 mil famílias envolvidas, número também recorde, segundo dados da CPT(Comissão Pastoral da Terra) obtidos pela Folha.
A entidade, braço agrário da Igreja Católica, acompanha desde 2002 conflitos por água nas áreas rurais do país.
Em 2013, por exemplo, quando a estiagem já se mostrava forte no Nordeste, foram registrados 101 conflitos no país, número até então o mais alto da série histórica.
Norte e Nordeste, tradicionalmente, são as regiões mais afetadas por esses conflitos.
Mas a pesquisa atual, apesar de não contabilizar os números, já vê impactos da seca em áreas urbanas do Sudeste, como a Grande São Paulo.
Na metrópole, a queda recorde do nível dos reservatórios de água deixa há meses milhares de torneiras secas.
“Nossas bases [para a pesquisa de campo] estão na área rural do país. Mas é notável que, desde 2014, a atual seca passou a causar conflitos também na área urbana”, disse o pesquisador Roberto Malvezzi, da Pastoral da Terra.
Ele cita ainda o caso do município paulista de Itu, onde o longo período de falta de água resultou na depredação da Câmara Municipal e no bloqueio de rodovias.
Malvezzi ainda acredita que a questão da água poderá causar mais disputas entre Estados do país. A mais recente discussão nesse sentido foi sobre a transposição de água da bacia do rio Paraíba do Sul e os reservatórios doCantareira, com meses de embates entre os governadores de SP, Rio e Minas Gerais.
ZONA RURAL
Já no interior do país, as disputas envolvem desde casos de contaminação de recursos hídricos à invasão de terras para acesso a rios e lagos, passando pela apropriação de açudes públicos.
“Há vezes em que um fazendeiro desvia o curso de um rio para que ele abasteça sua propriedade, por exemplo”, conta Malvezzi.
Em 2014, a Folha mostrou o caso de um fazendeiro no município de Potiretama, no Ceará, que teve sua fazenda desapropriada para construção de um açude público.
Mesmo com a obra pronta, ele continuou plantando capim às margens da água e criando gado leiteiro. Além disso, cercou o local com arame farpado. Segundo os moradores locais, o fazendeiro usou jagunços para ameaçar quem usava a água dos rios que abastecem o açude.
Outra disputa comum listada pela pesquisa da CPT é a construção de represas e barragens em locais habitados. Segundo Malvezzi, esse tipo de conflito é o que atinge um maior número de famílias, devido ao tamanho da área das represas.
Por isso, nos últimos dez anos, o Estado do Pará, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, aparece em primeiro lugar no ranking de famílias atingidas. Ao longo da última década, são mais de 69 mil famílias afetadas por conflitos de água.
O Rio ficou em segundo lugar, com 66 mil famílias.
Dessas, 8.000 famílias foram atingidas pela construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico, no município de Santa Cruz, no oeste do Estado. Desde sua inauguração, em 2010, o polo industrial é alvo de inquéritos sobre impactos ambientais.
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