Ciência está ‘deslocada’ das decisões do governo sobre MC
As negociações para a próxima Conferência do Clima, em Paris, em dezembro deste ano, estão se afunilando. O evento é decisivo para sabermos se o mundo conseguirá, quando e como conter o aumento da temperatura média do Planeta a, no máximo, 2º C, limite considerado seguro pela ciência para impedir as consequências mais nefastas das mudanças climáticas.
Apesar da sinalização importante dada pelo governo da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT], recentemente, ao comprometer-se com a “descarbonização” da economia (saiba mais), persistem as desconfianças sobre qual será posição brasileira na Conferência. O Brasil só deve apresentar sua proposta de redução das emissões dos gases de efeito estufa no final deste mês de setembro, último prazo definido pela ONU [Organização das Nações Unidas], como quem espera as apostas dos adversários para revelar a sua num jogo de cartas. O ritmo lento com que o país avança no uso das energias renováveis alternativas (leia mais) e as incertezas sobre o futuro das taxas de desmatamento também não deixam especialistas e sociedade civil animados.
“A ciência é um pouco deslocada do sistema de decisão controlado pelo Itamaraty, Ministérios de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia. Falta mais proximidade e troca de experiências”, cobra Paulo Artaxo, em entrevista concedida a Carlos Garcia e Luna Gámez, especialmente para o ISA.
Artaxo é um dos maiores especialistas sobre mudanças climáticas no Brasil, é professor e pesquisador do Instituto de Física da USP e faz parte do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), da ONU. Na entrevista, ele fala sobre o papel da Amazônia nas mudanças climáticas, seus impactos no Brasil e a atuação do governo no tema.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
ISA – Qual o papel da floresta, especificamente das florestas tropicais e da Amazônia, nas estratégias de mitigação da mudança climática?
Paulo Artaxo – As florestas jogam papel estratégico e fundamental, principalmente as florestas amazônicas. Elas armazenam uma quantidade gigantesca de carbono e qualquer variação minúscula de emissões ou absorção do carbono atmosférico pode fazer uma enorme diferença a médio e longo prazo no reservatório de carbono atmosférico.
Uma pesquisa recente – que toma os resultados de um programa chamado Amazon Alert, da Comunidade Econômica Europeia, com colaboração de pesquisadores brasileiros – mostrou a vulnerabilidade da Floresta Amazônica a mudanças climáticas globais como um todo menor do que se esperava. Ou seja, ela tem uma resistência e uma resiliência maior do que se achava há alguns anos atrás. Com esse estudo, mostrou-se que existe uma ligação muito forte entre chuva e fotossínteses na Amazônia e assimilação de carbono. Isso quer dizer que, de todos os parâmetros ambientais, as mudanças no padrão de chuva podem fazer a Amazônia tornar-se, de um absorvedor de carbono que ela é hoje, uma fonte de carbono. Esta sensibilidade às mudanças na precipitação é muito maior do que em outros ecossistemas.
ISA – Nessa área mais sensível às alterações climáticas, como a ação do homem impacta e correlaciona-se com esses elementos que a ciência está colocando?
PA – É importante que o Brasil tenha tido muito sucesso na redução do desmatamento, de 27 mil km² para 5 mil km², ao longo dos últimos anos. Foi o país que mais teve sucesso na redução de emissões de gases efeito estufa. Entretanto, daqui para frente, reduzir de 5 mil km² para valores de desmatamento zero é um desafio enorme. Vamos precisar de novas políticas públicas, intensificar a fiscalização, o monitoramento e um controle mais fino em nível de município, além de novos instrumentos econômicos, para proibir investimentos em desmatamento na Amazônia. É importante que esses mecanismos sejam implantados ainda neste ano, o mais rápido possível, porque seus efeitos demoram muito tempo para atuar sobre o sistema socioeconômico que controla a Amazônia. O desmatamento está longe de ter sido completamente vencido. Essa mensagem é importante. O Brasil tem de ter, para 2020 ou 2030, realmente, desmatamento zero. É fácil falar isso, mais difícil implementar políticas que garantam, em médio e longo prazo, que não haja mais nenhum metro quadrado desmatado na Amazônia, nos próximos anos.
ISA – Acha que o Brasil está agindo no tempo certo para avançar no combate à mudança climática?
PA – A resposta é “sim” em alguns setores; a resposta é “não” em outros. Por exemplo, o Brasil está lento na implementação de programas de geração de energia eólica e solar, particularmente no Nordeste. O Brasil tem muito a ganhar com a exploração dessas energias e programas de descentralização industrial, levando grandes indústrias consumidoras de energia para perto das fontes de produção, para impedir o desperdiço de transporte de energias, como ocorre na Amazônia com a energia hidroelétrica que vai para o Sul. Isso tem que estar bancado pela política industrial do país e estamos muito atrasados nessa área. Estamos atrasados também no plano de construção de hidrelétricas, não só na Amazônia, mas no resto do país, e na incorporação dos cenários de mudanças climáticas nesses planos. Por incrível que pareça, o Ministério das Minas e Energia não leva em conta as alterações no padrão hídrico que estamos já observando no país. Então, há uma falta de integração de políticas energéticas, científicas e ambientas grande ao nível do governo federal.
ISA – Como está, hoje, a conversa de bastidores sobre mudança climática na comunidade cientifica brasileira?
PA – O ponto de vista da comunidade científica brasileira é muito afinado, mas o que eu vejo, no Brasil, é que a ciência é um pouco deslocada do sistema de decisão controlado pelo Itamaraty, Ministérios de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia. Falta mais proximidade e troca de experiências, segundo o consenso da comunidade [científica].
ISA – O que você espera do acordo de Paris?
PA – Em Paris, serão tomadas decisões formais da estratégia que vai ser aplicada. Vão ser assinados acordos internacionais de redução de emissões de gás de efeito estufa, mas as metas, provavelmente, vão ficar em torno a 30% a 50% das reduções de gases efeito estufa, em 2050, em comparação com 2010. Isso é um avanço, mas é importante assinalar que não é suficiente para estabilizar as concentrações de CO2 na atmosfera, não é suficiente pra atingir a meta de 2º C no máximo [de aumento da temperatura média do Planeta]. Para que essa meta possa ser atingida, precisamos de reduções da ordem de 70% das emissões. Do ponto de vista de implementação prática, é uma meta muito difícil de ser conseguida, porque você não muda todo o sistema de produção, uso e consumo de energia de um planeta inteiro em 10, 20 ou 30 anos. O desafio é enorme. Mas como vamos lidar com uma meta que é absolutamente necessária, que é garantir a estabilidade climática do planeta ao longo do século, versus uma realidade de empresas produtoras de petróleo que, obviamente, não vão querer abrir mão da sua principal fonte que é a exploração de combustíveis fosseis? E, por outro lado, como você estrutura as políticas públicas favorecendo energias renováveis, como faz isso de forma sustentável o curto e longo prazo?
ISA – Quais são os impactos já percebidos, no Brasil, como resultado da mudança climática?
PA – A questão da atribuição de eventos climáticos extremos [à mudança climática] vai continuar sendo um problema importante. Obviamente, eles sempre aconteceram, mas com uma diferença fundamental: a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos estão aumentando significativamente no mundo inteiro.
A seca em São Paulo, assim como a seca na Amazônia, em 2005, ou a seca de 2010, foram eventos climáticos extraordinários. As duas secas mais importantes na Amazônia ocorreram num intervalo de tempo tão curto que não tinha acontecido antes no período no qual a gente vem fazendo as medidas do ciclo hidrológico na Amazônia. Os modelos climáticos estão sendo aprimorados e a capacidade de previsão vai melhorar. A sociedade tem de se preparar melhor para um clima muito mais adverso. Como cidades, como São Paulo, podem começar a se preparar? Para fazer isso, precisamos de políticas públicas, pensando no médio e longo prazos, não pensando num mandato particular. Isto é uma coisa que o sistema político brasileiro não assimilou. Mesmo no caso brasileiro, com a crise econômica que temos daqui para os próximos anos, de onde vão sair os recursos para implementação de políticas adequadas? Por exemplo, para chegar ao desmatamento zero na Amazônia? O que o Brasil fará no Nordeste, quando ele passar de uma região semiárida a uma região árida, o que pode acontecer de aqui a 15 ou 20 anos?
O país precisa de estratégias para lidar com essas questões. Eu não vejo o Congresso Nacional preocupado com essas questões, o governo federal preocupado em geral. Mas, em momentos de crise não, é fácil vislumbrar uma saída, e que faça com que o Brasil possa aproveitar as vantagens estratégicas que tem: energia solar, energia eólica e energia hidroelétrica, todas abundantes. Agora, como implementar isso minimizando o impacto ambiental?
ISA – A mudança climática pode ser uma oportunidade para o Brasil?
PA – A mudança climática é uma oportunidade para todos os países. Não tem nenhum pais que implementou melhor essa questão de olhar para as mudanças climáticas como uma oportunidade do que a China. Eles são, hoje, os maiores fabricantes de geradores eólicos e de painéis solares no mundo. Eles se comprometeram com uma redução forte da emissão de carbono por habitante ou por PIB [Produto Interno Bruto]. A China está tomando vantagens que, no futuro, vão ser totalmente estratégicas para o país, e o Brasil não, os Estados Unidos não. Há alguns países levando muita vantagem e outros ficando claramente para trás. Na Dinamarca, hoje, a maior parte da sua energia é eólica. O Brasil precisa explorar e implementar políticas públicas para aproveitar as vantagens estratégicas que temos.
Fonte: http://site.adital.com.