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Carta Aberta – Meu alerta à presidenta Dilma

“Não foram certamente os indígenas os autores do “panelaço”, durante a sua fala ao povo brasileiro e nem da recente parada nacional dos caminhoneiros, como não foram os Mapuche do Chile que organizaram em 1973 a greve dos caminhoneiros que derrubou o Governo Allende”, escreve Egydio Schwade, ex-secretário executivo do Cimi, em Carta enviada à presidente Dilma Roussef, em que destaca a urgente necessidade de “aliviar de uma vez o sofrimento” dos indígenas. A Carta foi publicada no portal do Cimi, 11-03-2015.

Ele pergunta: “Por que este desrespeito aos seus direitos e abandono quando os favorecidos diretos são os maiores inimigos do socialismo? Tudo isto é ininteligível neste seu governo, e intolerável”.

Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário – Cimi e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do Cimi, residindo em Presidente Figueiredo-AM.

Eis a carta.

Estimada Presidenta Dilma,

Entre 1967 e 1985 andei pelo Brasil “soprando as cinzas” de povos já considerados extintos, buscando animar o fogo escondido sob as cinzas da crueldade histórica e da violência então em curso, pela Ditadura Militar contra os remanescentes povos indígenas brasileiros. Em 1969 criei a Operação Amazônia Nativa (Opan) e em 1972 ajudei a criar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organizações que até hoje fortalecem a causa destes povos. Considero-me também um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores aqui no Norte, em especial, nos municípios de Itacoatiara e Presidente Figueiredo, onde resido. Colaborei na redação do documento que contem as linhas do PT sobre política indigenista, aprovado, por unanimidade, na primeira Assembleia Nacional do Partido em 1980. Gostaria que lesse estas linhas de ação do Partido e comparasse com o que está sendo aplicado pelo seu Governo hoje.

Assim, desde 1963, venho-me dedicando a causa destes remanescentes indígenas cuja sobrevivência era, então, considerada uma “causa perdida”. E a Ditadura Militar já destinava, previamente, as suas terras à latifundiários e mineradores que até hoje estão de olho grande sobre as mesmas. Assim as terras dos kiña ou Waimiri-Atroari, daqui, em cuja cercania moro, já haviam sido destinadas a 14 empresas de mineração.

Colaborei também na organização das primeiras Assembleias indígenas do país, que mudaram a rota da política genocida, montada pelos governos, desde os tempos do Brasil Colônia para o extermínio desses povos. Convivi com eles e de passagem pelas cidades dava notícias da sua situação à professores e alunos de universidades, à comunidades e aos jornais. E enquanto você sofria nas prisões da Ditadura a solidão e a tortura, no interior do país eu sofria a censura e a perseguição dos mesmos militares. O Cimi do qual fui o primeiro secretário executivo sofreu represálias pela Ditadura Militar bem como até hoje continua odiado pelos ditadores modernos instalados no agronegócio, nas mineradoras e na bancada ruralista.

Mas, eis que a partir de 1974 esses povos indígenas começam a se organizar. Mais e mais apoios começam a surgir por todo o Brasil e aqueles povos pobres, os mais pobres do país, cujas terras eram objeto de invasões de grandes projetos do Governo Federal, de grilagem da parte de mineradoras e fazendeiros e cuja sobrevivência era considerada uma “causa perdida”, começam a aparecer insistentes nos jornais e acabaram sendo os primeiros a balançar a Ditadura Militar.

Recordo-me que na virada do ano de 1978-79, a CNBB convidou o líder indígena Daniel Matenho Cabixi, para participar da Assembleia do CELAM em Puebla/México. Os ditadores, por certo já temendo a força indígena, não lhe deram o visto de saída do País.

Em 1980 quando do IV Tribunal Russell sobre os Direitos dos povos Indígenas das Américas, em Rotterdam quis repetir a determinação impedindo a saída do cacique Mario Juruna Xavante, escolhido para presidir aquele Tribunal. Pela primeira vez foi derrotada pela pressão nacional e internacional. Durante a realização do Tribunal os militares ditadores foram forçados a ceder e tive a honra de receber o cacique Juruna no Aeroporto de Amsterdam e acompanhá-lo até o local da realização do Tribunal, onde ainda chegou a tempo para presidir a sessão de encerramento.

É possível que você nunca tenha tido a experiência de sentir a força que estas populações humildes, sem armas e sem voz, encerram, achando, por isso, que só os poderosos, os donos das empresas e os políticos lhe possam dar governabilidade. Tudo bem, com eles você chegará ao fim do seu governo, mas de que forma? Com certeza, frustrada e derrotada nos ideais que a levaram a sofrer prisão e torturas, e mais humilhada do que se tivesse governado apenas um dia ao lado dos perseguidos e oprimidos por esses poderosos que agora a dominam e a encurralam. Pois não foram certamente os indígenas os autores do “panelaço”, durante a sua fala ao povo brasileiro e nem da recente parada nacional dos caminhoneiros, como não foram os Mapuche do Chile que organizaram em 1973 a greve dos caminhoneiros que derrubou o Governo Allende.

Além do mais os povos indígenas vivem o socialismo. E o PT não é um partido socialista? Não estão eles abrindo caminho ao socialismo que o PT está buscando? Por que, então, este desrespeito aos seus direitos e abandono quando os favorecidos diretos são os maiores inimigos do socialismo? Tudo isto é ininteligível neste seu governo, e intolerável.

Finalmente, muito maior e mais grave do que nós sofremos durante a Ditadura Militar, foi o sofrimento dos povos indígenas neste mesmo período, pois atingia não apenas adultos, mas a todo o povo igualmente. O mesmo PARASAR que bombardeou os guerrilheiros do Araguaia nos anos 70, no mesmo período, bombardeou aldeias Waimiri-Atroari. Daí a minha pergunta: Por que não aliviar de uma vez o sofrimento destes povos? Sofrimento que continua igual? Por quê?

Casa da Cultura do Urubuí – 10 de março de 2015.

Egydio Schwade

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540742-carta-aberta-meu-alerta-a-presidenta-dilma

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