Seminário Nacional “Energia para a Vida” celebra 10 anos de resistência e conquistas
Encontro destaca avanços e desafios na construção de uma política energética inclusiva e sustentável no Brasil
Entre os dias 3 e 5 de dezembro, Brasília recebeu o Seminário Nacional “Energia para a Vida: 10 anos de lutas por uma Transição Energética Justa, Popular e Inclusiva.” Promovido pela Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e pela Rede de Transição Energética Popular, o evento reuniu cerca de 30 participantes, incluindo organizações comunitárias, pesquisadores, lideranças e representantes da sociedade civil organizada, para celebrar uma década de avanços e traçar os rumos para o futuro da transição energética no Brasil.
Nos dois primeiros dias, o seminário revisitou a trajetória da Frente, resgatando marcos históricos como o Fórum Social Temático de 2014, que lançou a campanha “Energia para a Vida.” Foi um momento de reflexão coletiva sobre as conquistas alcançadas e os desafios ainda enfrentados pelas comunidades impactadas por empreendimentos energéticos. Debates estratégicos abordaram o contexto atual da transição energética no Brasil, destacando insuficiências da Política Nacional de Transição Energética (PNTE) e apontando caminhos para integrar justiça e inclusão social nas diretrizes governamentais. Além disso, foram apresentados projetos emblemáticos, como o PRATA ATIVA – Água e Radioatividade no Planalto Alcalino, que busca enfrentar os impactos da mineração de urânio, e o Projeto Tapajós Solar, focado na autonomia energética das populações ribeirinhas.
O terceiro dia começou com grupos de trabalho que discutiram e elaboraram propostas para qualificar a transição energética no Brasil. Entre os temas, destacaram-se a ampliação da participação popular no planejamento energético, a proteção de territórios e direitos de comunidades tradicionais e a democratização do acesso à energia renovável. As atividades culminaram em uma plenária que consolidou diretrizes estratégicas para os próximos anos e renovou a Coordenação Nacional da Frente. Ao longo do dia, os participantes também celebraram os 10 anos da campanha com um ato simbólico e um bolo comemorativo, reforçando o espírito de unidade e resistência que marca a atuação da Frente.
Maria Clara Valverde Carvalho, representante da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (SAPE), destacou o papel histórico da Frente na articulação de comunidades atingidas por empreendimentos energéticos. “Em Angra dos Reis, convivemos com promessas vazias de compensação por parte da Eletronuclear. Muitas vezes, as comunidades indígenas e quilombolas próximas às usinas nucleares permanecem desassistidas. A Frente é essencial para dar voz a essas populações, promovendo oficinas e projetos que defendem uma transição energética justa e participativa,” afirmou. Para Maria Clara, um dos maiores desafios é combater a desinformação sobre energias renováveis e democratizar o debate sobre modelos sustentáveis que respeitem os direitos humanos e ambientais.
Silvana Canário, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ), trouxe à tona os impactos sociais e ambientais das energias renováveis, sobretudo no Nordeste. “Os empreendimentos frequentemente desrespeitam direitos básicos das comunidades locais, substituindo consultas prévias obrigatórias por audiências públicas que não as atendem. Há casos de contratos abusivos que oferecem arrendamentos irrisórios, prejudicando pequenos proprietários,” denunciou. Ela também abordou a necessidade de traduzir materiais técnicos, como as Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável, em linguagem acessível para as comunidades. “Nosso maior objetivo é garantir que as populações impactadas tenham conhecimento e ferramentas para defender seus direitos, contribuindo de forma ativa para a construção de uma transição energética realmente popular e inclusiva.”
Joilson Costa, coordenador executivo da Frente, destacou os avanços e desafios que marcaram os três dias do seminário. Segundo ele, o evento não apenas revisitou os 10 anos de trajetória, mas também consolidou aprendizados e prioridades. “A Frente nasceu para articular movimentos que defendem os direitos de comunidades afetadas por danos socioambientais e propor alternativas viáveis ao modelo energético centralizado. Ao longo dessa década, apoiamos iniciativas de geração descentralizada de energia elétrica e consolidamos uma narrativa que prioriza justiça, inclusão e respeito aos direitos humanos,” explicou.
Joilson também enfatizou a importância de transformar as reivindicações em políticas públicas concretas. “A transição energética deve ir além de uma simples mudança na matriz energética. Ela precisa incorporar participação popular, respeito aos territórios e justiça social. Um dos nossos grandes desafios é acompanhar e influenciar o Fórum Nacional de Transição Energética, garantindo que a sociedade civil tenha voz ativa nesse espaço,” ressaltou. Internamente, ele destacou a necessidade de reorganizar a estrutura da Frente, reafirmar documentos de referência e ampliar a membresia. “Saímos deste seminário com a missão de fortalecer nossa articulação e consolidar uma política energética verdadeiramente inclusiva e sustentável.”
Além disso, Joilson apontou a urgência de intensificar ações práticas que promovam o acesso democrático às energias renováveis, especialmente em comunidades vulneráveis. “Nosso compromisso é assegurar que a transição energética não reproduza desigualdades históricas, mas seja um catalisador de justiça social e desenvolvimento sustentável para o Brasil,” concluiu.
O seminário reforçou o compromisso da Frente em liderar a luta por uma política energética que respeite os direitos humanos, valorize as populações historicamente marginalizadas e promova uma transição justa, popular e inclusiva para o futuro do país.
Por Luciana Ribeiro