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MARCO TEMPORAL: É HORA DE ACABAR COM TUDO?

Vimos na televisão, no dia de ontem, 5 de agosto, cenas de um acontecimento absurdo patrocinado pelo juiz Gilmar Mendes, com a conivência dos seus colegas do STF: uma reunião de conciliação entre representantes dos Povos que têm seus direitos originários ao território em que vivem desde antes da invasão portuguesa/europeia reconhecidos pela Constituição da República do Brasil de 1988, e representantes dos grandes senhores de terras que, desde o ano de 1.500, se autodeclararam com o pretenso direito de ocupar todos estes territórios dos Povos originários.

A estratégia mal disfarçada de “conciliação” é equivalente, ou pior, do que se as pessoas escravizadas por seus senhores, com apoio cúmplice de todas as instâncias estatais existentes, durante mais de 300 anos, fossem chamadas a sentar numa mesa de conciliação sobre a validade ou não da chamada Lei Áurea com os seus senhores, que até aquele momento tinham não só o direito de usar essa parte de sua propriedade – o “plantel de escravos” – ao ponto de só conseguirem viver poucos anos, mas até de decidir a hora de sua morte.

O Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental existe há 15 anos, e durante esse tempo tem feito o possível e quase o impossível para alertar a todas as pessoas e aos governantes sobre os sinais mais do que visíveis, e confirmados pela sabedoria indígena e pelo esforço sério de cientistas, de que as diversas formas de exploração da Natureza e das Pessoas estão agredindo os ambientes naturais indispensáveis à vida de todos os seres vivos, incluídos os da espécie humana, agravando os desequilíbrios climáticos ao ponto de aumentar o número e a intensidade de desastres socioambientais.

As cenas do dia 5 de agosto mostram quem está levando estes sinais a sério e quem está decidindo apostar na destruição das condições favoráveis à vida. Os povos originários, junto com quilombolas e outras comunidades tradicionais, deveriam receber, como a jovem Rebeca Andrade e Beatriz Souza nas olimpíadas de Paris, a medalha de ouro de cuidadores e preservadores dos bens naturais indispensáveis à vida. Mesmo assim, o sábio pedido de uma liderança indígena de que, pelo menos, a lei aprovada pelo Congresso Nacional depois e contra a decisão do STF que definiu ser inconstitucional a pretensão dos fazendeiros de que existisse um “marco temporal” redefinidor do “direito originário”, fosse suspensa durante o tempo da “mesa de conciliação”, não foi acolhido. Com essa decisão, convivem a decisão do STF e a lei do Congresso, criando o ambiente de bagunça jurídica e judicial em que sempre nadam as práticas dos que foram tomando e estão decididos continuar tomando à força as terras a que os povos originários têm direito originário.

Se o Brasil não fosse um dos países capitalistas em que, ao contrário dos que deram origem ao capitalismo, foi realizada uma “reforma agrária” ao contrário, favorecendo a implantação e o domínio de grandes propriedades, em que, tendo como parceiras determinantes as indústrias, se explora a terra até a última gota de água e o último ser vivo em favor da produção de commodities, e não de alimentos, certamente essa cena degradante em relação aos direitos humanos e da Terra teria repercussão negativa em todo o planeta. Mas como esse Brasil serve, de forma colonial subserviente, aos negócios capitalistas mundiais, conta com o apoio de um silêncio conivente.

Para concluir, apenas uma sugestão ao STF e ao TSE: façam um levantamento sério em relação à validade democrática dos votos de congressistas que aprovaram a “lei” do marco temporal, verificando quantos deles tiveram respaldo efetivo das pessoas que votaram neles. Os deputados e senadores que nunca dialogaram sobre isso com eles, antes e depois de sua eleição, cometeram crime de abuso de poder ao se submeterem aos poucos que concentram riqueza e têm o poder de somar votos suficientes para aprovar uma lei tão absurda e criminosa como esta. Seria muito importante tornar isso mais transparente e favorecer o direito dos eleitores de impedir que o poder delegado se separe e decida sem consultar sua fonte democrática.

Levando um pouco a sério as ameaças à vida em que já nos encontramos e as que se agravarão, se teimarmos seguir o caminho destrutivo atual, o Brasil e o Planeta precisam que sejam respeitados e garantidos os direitos originários dos Povos Originários, e que, seguindo seu exemplo e sabedoria, recriemos florestas em vez de destruir as que existem; produzamos alimentos em cooperação e convivência com a Mãe de todos os seres vivos, a Terra, de modo especial em agroflorestas e não mais em monoculturas agressivas sem fim; deixemos rapidamente de lado as fontes fósseis de energia e produzamos a energia realmente necessária de forma descentralizada e comunitária com fontes minimamente poluentes; reorganizemos as cidades, colocando tudo a serviço da vida e não dos automóveis, da indústria e do comércio, priorizando transportes de massa movidos a eletricidade…

            Ivo Poletto – animador nacional do FMCJS